Prestes a lançar um ambicioso plano de revisão do estatuto dos servidores, corte dos incentivos fiscais concedidos às empresas e reforma da Previdência estadual, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), resolveu inverter a prática orçamentária que marcou mais de uma década de crise fiscal no Estado.

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Pela primeira vez desde 2007, orçamento estadual foi enviado à Assembleia Legislativa com a previsão de déficit. Nos últimos 12 anos, o Estado projetava sempre as contas no azul para permitir o aumento de gastos e o resultado sempre terminava no vermelho.

O “realismo orçamentário” abriu as portas para o Estado finalmente receber um socorro financeiro da União e aderir ao plano de recuperação fiscal com o Tesouro Nacional. De quebra, a remoção da maquiagem nas contas acabou tirando os outros Poderes da zona de conforto. Judiciário e Legislativo estaduais ficaram, na prática, com as despesas praticamente congeladas, sem poder conceder reajustes no próximo ano, como os 16% dados em 2019.

Hoje, o Estado tem um déficit estrutural anual projetado de R$ 4,3 bilhões. Se entrar no regime de recuperação fiscal, o nome do plano de socorro da União, terá de zerar o déficit em seis anos. A perspectiva leva em conta um ajuste de cerca de R$ 30 bilhões até lá. Em troca, o Estado tem o pagamento da dívida suspensa e poderá contrair empréstimos.

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A fadiga da crise fiscal permitiu que fosse costurado um acordo para a aprovação de emenda que retira da Constituição Estadual a obrigatoriedade de realização de um plebiscito para ouvir a população sobre a privatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Companhia de Gás do RS (Sulgás). A expectativa é que essas empresas sejam vendidas em um prazo de um ano a um ano e meio.

Com o socorro da União, o Estado poderá antecipar a receita da venda com a captação de empréstimo que terá aval do Tesouro, o que hoje não é possível.

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Técnicos do governo avaliam que o Rio Grande do Sul tem até mesmo condições de sair da recuperação fiscal em três anos, se vender o Banrisul, o banco do Estado. O envio do orçamento e correção da maquiagem feita no cálculo dos gastos de pessoal, antiga briga com o Tesouro, repercutiram positivamente no Ministério da Economia.

Ao Estado, Leite diz que optou pelo caminho mais difícil: consertar os problemas que levaram à crise, sobretudo, o aumento do peso das despesas de pessoal e Previdência. “Precisamos conter o avanço nos nossos gastos”, diz.

Banrisul

O Banrisul não será vendido, diz ele. Esse é uma promessa de campanha. Mas ações do banco serão vendidas, sem a perda do controle. “Tenho confiança no ministro Paulo Guedes de que o compreenda que precisamos estabelecer prioridades. E não adianta estabeleceremos a venda do banco sem resolver o que causa o déficit”, afirma.

Ele ressalta que prefere investir o seu capital político na batalha pela revisão dos planos de carreiras e retirada penduricalhos. “Eu tenho que escolher. Não consigo exigir dos deputados que votem tudo ao mesmo tempo”. Ele avalia que vender o Banrisul engordaria o caixa em R$ 10 bilhões, mas não resolveria a crise.

O Estado abre mão por ano de cerca de R$ 8 bilhões de receitas com a concessão de benefícios fiscais. Como outros Estados, o governo foi pródigo na concessão de renúncias à empresas no passado para atrair investimentos, entre elas, a General Motors em Gravataí. Com a crise, a montadora chegou até mesmo ameaçar a deixar o País se não recebesse incentivos, como ocorreu em São Paulo.

O principal desafio no curto prazo é a insuficiência de receitas calculada em R$ 1,5 bilhão no Orçamento enviado e restos a pagar de R$ 4,4 bilhões de despesas. O Estado tem uma conta também de R$ 5 bilhões com as parcelas da dívida da União que deixaram de ser pagas. Uma liminar do Supremo Tribunal do Supremo mantém suspenso o pagamento das parcelas mensais, o que tem dado alívio ao governo, que continua com a folha dos servidores atrasada.

Com as privatizações, a venda de ações do Banrisul e concessões, o Estado pretende levantar de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões. No segundo semestre, serão concedidas duas rodovias: a RS 287, que une Tabaí a Santa Maria e a RS 324, de Nova Prata a Passo Fundo.

O governo também pretende extinguir a Empresa Gaúcha de Rodovia, estatal que administra rodovias com pedágios. Segundo Leite, 750 quilômetros serão concedidos à iniciativa privada. Ele também quer oferecer à iniciativa privada a concessão de hidrovias.

“Vamos fazer um plano robusto”, disse. A expectativa do governador é que o Estado possa entrar no regime no segundo semestre.

O secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurélio Santos Cardoso, explica que o Estado está trabalhando em várias frentes porque não há nada isoladamente que resolva a crise. “O Estado praticamente não investe mais nada e o custeio está muito pressionado.” Segundo ele, os projetos para reduzir gastos de pessoal vão redesenhar o estatuto do servidor com a revisão das vantagens salariais de tempo de serviço e incorporação de gratificações. A seguir, trechos da entrevista com o governador.

O governo federal quer que o Estado venda o Banrisul. Como resolver o impasse?

Cada governo enfrenta os desafios do seu tempo. O tempo de discutir a venda do Banrisul não chegou para o Rio Grande do Sul. E também privatizar o banco não resolve. Se não atacarmos o que está causando o déficit, a receita advinda na venda do banco vai evaporar diante do crescimento dos gastos. É um banco saudável, funcional bem.

O desgaste político é menor se não vender?

Mas os desgaste de mexer com planos de carreira não é pequeno. O caminho que eu escolhi é mais difícil. Vender o banco botaria de R$ 10 bilhões, compraria uma briga louca e poderia gastar e sair a fazer a obras. Mas o Estado cairia de novo na crise sem resolver os problemas. Vamos revisar o estatuto dos servidores, magistério, carreira militar. Temos estruturas de carreiras muito antigas. E vantagens que já se extinguiram no plano federal.

O que muda com o envio do Orçamento com déficit?

O Estado faz o orçamento e sabe que tem um déficit, mas acaba colocando uma receita extraordinária que não vai se realizar, o que acaba mascarando essa realidade. Nós optamos por encaminha um orçamento transparente e honesto em relação à situação. É o realismo orçamentário. Se o Estado coloca uma receita que não vai acontecer, estimula a autorização de gasto que não terá cobertura financeira. Deixa evidente a necessidade de que precisamos ter um esforço compartilhado para a superação do déficit. Por isso, optamos em encaminhar sem prever reajustes para os outros poderes.

Com o Orçamento deficitário, o sr tirou os outros Poderes da zona de conforto?

Quem está com problema não é Executivo, é o Estado. Um avanço conquistado pelo governo anterior tinha sido de limitar o crescimento do Orçamento dos três Poderes em 3%, que se estima é o crescimento vegetativo. O que acontecer é que os outros poderes deram reajustes, pagaram diferenças de planos econômicos, por exemplo, indenizações de seus funcionários de coisas muito antigas, o que sugere que há espaço no orçamento.

O Tribunal de Justiça reagiu atacando a decisão?

Eu não tenho a expectativa que isso agrade.

Se o sr. conseguir tirar o Estado da crise, cresce como liderança nacional do PSDB?

Me atraio menos por essa questão do que isso vai me projetar politicamente. Ser governador aos 34 anos já é por si só um grande feito. O que vier pela frente é lucro. Sou governador depois de ser sido prefeito de uma cidade do interior que há 100 anos não elegia um governador. Uma cidade empobrecida que é Pelotas. Me projetei para ser governador. Isso já é uma grande façanha. Estou convencido que vamos virar o jogo no Rio Grande do Sul. O Estado é forte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.