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Foto: Arquivo/O Estado

Avícolas são, junto com a indústria de suínos, as maiores consumidoras do farelo de soja.

A decisão dos importadores europeus de soja de rejeitar, em julho passado, produtos cultivados em áreas desmatadas da Amazônia deve ter reflexos sobre a indústria brasileira de aves e suínos, a maior consumidora do farelo de soja, utilizado como ração animal. As restrições formais ainda não começaram, mas tendem a surgir nos próximos meses. O processo está mais condicionado aos elos anteriores da cadeia – os fornecedores do farelo de soja e agricultores – e a participação das empresas de proteína animal deve se concentrar na cobrança de garantias aos fornecedores e no desenvolvimento conjunto de estratégias.

Há cerca de três meses, referendando o anúncio de restrições de clientes estrangeiros, a Associação das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) declararam uma moratória pela qual, por dois anos, não comprariam soja de produtores que tenham plantado em áreas desmatadas do Bioma Amazônico, que seriam pequenos pedaços de vários estados brasileiros caracterizados pela presença de fauna e flora a serem preservados. Trata-se de uma região menor do que a Amazônia Legal, território definido no governo Getúlio Vargas que envolve nove estados, totalizando 61% do território nacional.

Algumas companhias já começam a se mobilizar. A Caramuru Alimentos, importante esmagadora de soja e fornecedora de farelo para diversas indústrias de alimentos, disse já ter sido questionada por clientes europeus sobre a procedência do grão, entre eles Suíça, Suécia, Noruega, Alemanha, Inglaterra e Escócia. O vice-presidente Cesar Borges explicou que se tratou apenas de uma consulta, mas acredita que pode se tornar uma exigência, a ser estendida a todos exportadores brasileiros do grão, farelo ou óleo e demais integrantes da cadeia. ?Temos de atender os clientes. Não adianta insistirmos em algo que eles não querem?, disse. A Caramuru, segundo ele, já está solicitando o selo ProTerra de sustentabilidade, baseado nos critérios de Basiléia.

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A Sadia, maior exportadora brasileira de aves, informou que desde 2004, quando começou a participar de discussões internacionais sobre a sustentabilidade da cadeia da soja, delimitou área do Bioma Amazônico da qual não compraria soja, usando como base os dados do IBGE. E a partir daí passou a negociar com fornecedores do farelo ou do grão, que garantem sua origem. Cerca de 50% da demanda de farelo da empresa para alimentação das aves e suínos provém de empresas processadoras e outros 50% são produzidos pela própria Sadia, em nove fábricas. O grão, neste caso, é fornecido por integrados (produtores que recebem insumos da companhia para o cultivo e lhe vendem sua produção), permitindo desta forma a rastreabilidade.

Para o diretor-presidente da Sadia, Gilberto Tomazoni, o estabelecimento desses critérios é uma questão de princípios que, ao longo do tempo, devem ser encampados por um número maior de empresas. ?Está no pensamento estratégico da companhia?, alegou, acrescentando que uma medida parecida foi adotada na questão dos transgênicos. Neste caso, contudo, o processo está mais desenvolvido e existem contratos formais vetando o uso de grãos transformados.

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Apesar da intenção que o documento da Abiove e da Anec sinalizou, as medidas eficazes de combate ao uso de terras da Amazônia para plantação da soja ainda são muito incipientes. A parceria fechada entre a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) e o Independent Quality Standards (IQS), empresa certificadora de grãos, deve dar frutos apenas no médio e longo prazos. A Amazônia seria incluída nas iniciativas já em implantação de certificação de sustentabilidade, que consiste no veto de soja proveniente de qualquer área de desmatamento. A Aprosoja pretende selecionar 10 produtores de cada um dos 18 municípios produtores do estado para a certificação.

Contratos com os produtores prevêem recursos antecipados

Tão ou mais eficaz que a certificação nas iniciativas de veto à soja da Amazônia tende a ser a atitude das empresas processadoras que compram os grãos dos produtores, seara praticamente dominada por um grupo de quatro gigantes ABCD – ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. Nesta questão, são o elo principal da cadeia na medida em que têm relação direta com os agricultores. Os contratos prevêem a antecipação de recursos, na forma de insumos para a produção, baseada no tamanho da propriedade ou da área plantada. O eventual aumento da demanda destes produtos, conforme o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Mendes, poderia significar novos desmatamentos, daí as condições dessas empresas de identificar os movimentos. Mendes acredita que o prazo de dois anos fixado pelas entidades é suficiente para avaliar as ações a serem tomadas para conscientização dos produtores e fixação dos critérios de avaliação.

Embora a moratória determinada pelas entidades já esteja valendo para a próxima safra, que começou a ser plantada em setembro e será colhida no início do ano, não é esperado forte impacto nesta temporada. De acordo com o presidente da Aprosoja, Rui Otoni Prado, diante dos preços oferecidos pela soja e o custo de produção deste ano, dificilmente algum agricultor expandiu a área plantada. Mato Grosso responde por 30% da soja produzida no Brasil e é o estado com maior área no Bioma Amazônico.

Além disso, os preços tinham que ser muito atrativos, pois o cultivo em área desmatada é adequado apenas depois de no mínimo um ano e meio. ?A produção de soja em terras recentemente desmatadas só vale à pena se os preços forem altos, pois a produtividade dessas áreas é baixa?, disse  Ilan Kruglianskas, coordenador do projeto Agricultura e Meio Ambiente da WWF Brasil.

A dúvida que se coloca é com relação aos próximos anos, pois contra a manifestação da intenção das empresas de não contribuir para novos desmatamentos há o argumento dos agricultores de que estão dentro da lei. A Medida Provisória 2.080-59, de 25 de janeiro de 2001, estabeleceu que as propriedades situadas em áreas de floresta dentro da Amazônia Legal devem manter 80% de sua área como reserva legal. Em propriedades situadas no cerrado, a reserva deve ser de 35%. Ou seja, a penalização legal não existiria, a menos que a lei fosse mudada. Hoje, nem mesmo esta restrição é respeitada completamente, segundo atestam ambientalistas, por causa da fiscalização falha. O cenário, portanto, aumenta a responsabilidade das empresas compradoras do grão no acompanhamento.