Diversos estudos já apontaram que os índices de pobreza caíram nos últimos anos em decorrência da transferência de renda por meio dos programas sociais do governo, do aumento do salário e da geração de emprego. Esse trinômio, no entanto, começou a se estabilizar em 2008 e agora dá sinais de esgotamento. Quem diz isso é o economista e pesquisador Claudio Dedecca, do Instituto de Economia da Unicamp.
Em estudo que acaba de concluir, no qual cruzou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012 e do Produto Interno Bruto do País (PIB), ele afirma que famílias beneficiadas por programas como o Bolsa Família não estão conseguindo romper as barreiras em termos de inserção produtiva e tendem a se tornar cada vez mais dependentes da transferência de renda. Segundo o economista, apesar de terem tido mais acesso ao consumo, os mais pobres continuam sem acesso a serviços públicos de qualidade em áreas fundamentais, como educação.
A interpretação dos resultados da Pnad 2012 foi muito controversa em relação à redução da desigualdade. O que o senhor viu?
Vi uma luz amarela. O movimento de queda da desigualdade, que esteve fortemente associado ao aumento do emprego e da renda e dos programas de transferência monetária, está bloqueado para 2013, 2014 e 2015. No caso do aumento de renda dos mais pobres, sabemos que está colado ao salário mínimo, cujo reajuste é vinculado ao crescimento econômico. Como esse crescimento será relativamente baixo nesses anos, o aumento do salário também será baixo.
E quanto a programas como o Bolsa Família?
A eficácia do Bolsa Família no combate à pobreza se esgotou. Até aqui, ela esteve muito associada ao aumento da cobertura. Milhões de famílias foram incluídas no programa nos últimos anos. Mas isso acabou: não há mais famílias a incluir – dentro dos limites estabelecidos. Daqui para a frente, o programa só pode ter efeito sobre a pobreza se houver aumento significativo, se dobrar o valor do benefício. Com o crescimento baixo da economia, não há como fazer isso.
Como vê o impacto da transferência de renda sobre o consumo e, consequentemente, o crescimento econômico?
Quando olho de maneira ampla o que houve com a extrema pobreza, vejo que houve uma evolução significativa em relação ao consumo de geladeira, fogão, vestuário e outros bens. Do ponto de vista das condições de vida, porém, não houve muito impacto: o acesso a serviços públicos como educação, transporte, saúde, habitação e segurança foi mais lento. Isso é ruim, porque a redução efetiva da pobreza depende mais do acesso a bons serviços público do que a bens de consumo. O cruzamento dos dados da Pnad e do PIB mostram que esse modelo que está aí se esgotou: o consumo estabilizou, o crescimento estabilizou.
O senhor não considera significativa a redução no índice de pobreza que ocorreu no País?
O Bolsa Família foi importante porque amenizou a pobreza, combateu a fome. Daqui para a frente, porém, a superação da pobreza depende fundamentalmente da melhoria dos sistemas de educação, transporte público, saúde, habitação. Quando se observa, porém, a composição dos investimentos do Estado, aquilo que o governo privilegia, é fácil perceber que estas questões ficam em segundo plano. O transporte individual recebe mais atenção que o transporte público. O dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador está financiando reformas de aeroportos. Os projetos e as casas do Programa Minha Casa Minha Vida são tão ruins e precários que precisarão ser reconstruídos daqui a dez anos. Em termos gerais, estamos garantindo o acesso à escola, mas permanecem os entraves para que o jovem pobre tenha um processo de aprendizagem com qualidade.
Os programas sociais não melhoraram as condições de inserção econômica dos mais pobres?
Os dados mostram que as barreiras para a inserção produtiva permanecem para a população em extrema pobreza. O desemprego é mais elevado, assim como a informalidade. O que a Pnad sugere é que a superação não virá pelo mercado de trabalho, mas das transformações das condições sociais.
O que deve mudar é o padrão de investimento no País?
Sim. Os avanços agora dependerão principalmente dos investimentos em infraestrutura e políticas sociais. O impasse é igual ao que houve no final da década de 1970, com o esgotamento do milagre econômico, que havia sido alimentado sobretudo pelo crescimento do consumo da classe média. Foi quando surgiu o 2.º Plano Nacional de Desenvolvimento, que, entre outras coisas, deu atenção enorme à área social, com programas de habitação, abastecimento de água, saneamento, transporte. Nunca se investiu tanto em abastecimento de água e saneamento. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.