A Receita Federal não terá mais acesso mensal e indiscriminado às contas dos cidadãos que tiverem movimentação financeira superior a R$ 5 mil por mês e das empresas acima de R$ 10 mil. Um decreto assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado na sexta-feira, afirma que a Lei 9.311, de outubro de 1996, que cria a CPMF , “supre” as exigências do decreto 4.489, de novembro, que obrigava os bancos a enviar essas informações ao Fisco mensalmente.
Na prática, segundo o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tributarista Rubens Approbato Machado, o decreto torna sem efeito o polêmico texto anterior. Por ele, o governo poderia fiscalizar qualquer tipo de operação financeira e não teria trabalho para receber o material, já que determinava a obrigatoriedade de os bancos enviarem “continuamente” os dados em relatórios. Além disso, ele estipulava valores mínimos para o envio das informações.
O decreto regulamentava a Lei 105, de janeiro de 2001, que permitiu o acesso da Receita Federal aos dados protegidos pelo sigilo bancário. O seu Artigo 5.º estabelece que o governo disciplinará a periodicidade e os limites de valor que serão fornecidos ao Fisco. Pelo decreto revogado, o leão não estaria de olho só na movimentação de contas correntes. Na compra de ações, de moeda estrangeira, ouro, e até mesmo nos gastos com cartão de crédito, todo contribuinte que tivesse gasto mais de R$ 5 mil em um determinado mês teria suas informações sobre movimentação financeira transferidas para a Receita.
Como nem a lei nem o artigo que determina a quebra do sigilo, publicados em janeiro de 2001, foram revogados pelo decreto presidencial de sexta-feira, o Fisco continuará podendo ter acesso aos dados dos clientes, mas sem a facilidade permitida em novembro. Se a Receita suspeitar de algum correntista, de acordo com os dados da movimentação da CPMF, terá de solicitá-los caso a caso aos bancos, depois de haver instaurado um processo administrativo ou procedimento fiscal.
Apesar da polêmica, o decreto não foi explicado por nenhuma autoridade do governo. As assessorias do ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, e da Receita Federal limitaram-se a afirmar que o novo decreto não restringiria o acesso da Receita aos dados bancários de pessoas e empresas. A exposição de motivos assinada pelo ministro Pedro Malan diz que o novo decreto servirá para simplificar a forma de remessa de informações dos bancos para o Fisco. Questionado sobre o assunto, o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, limitou-se a dizer que o texto do decreto seria modificado.
Um dos principais críticos do decreto, o presidente da OAB disse ter sido informado pelo Palácio do Planalto de que Fernando Henrique revogaria o Decreto 4.489.
Segundo a assessoria da OAB, o Planalto teria levado em consideração, sobretudo, um parecer que lhe foi enviado pelo órgão, assinado pelo presidente da entidade e por tributaristas renomados, que apontava a inconstitucionalidade do decreto, sobretudo no que tange à violação do sigilo bancário.
No parecer jurídico elaborado a pedido da OAB de São Paulo, os juristas Miguel Reale e Ives Gandra Martins apontavam ilegalidades e inconstitucionalidade do decreto, que estabelecia uma quebra irrestrita do sigilo bancário.
“Foi uma vitória da OAB-SP, que fecha com chave de ouro este exercício, beneficiando milhões de contribuintes brasileiros que, caso contrário, teriam seus direitos fundamentais violados, entre eles, a preservação da privacidade de suas movimentações financeiras”, afirmou o presidente da OAB-SP, Carlos Miguel Aidar.
Segundo uma nota da OAB-SP, “no parecer, os juristas apontavam a inconstitucionalidade do decreto, ao permitir a transferência da guarda do sigilo bancário para a Receita Federal, passando (esta) a dispor de informações que apenas em caso de suspeita de práticas ilícitas contra contribuinte e mediante autorização do Poder Judiciário, poderia obter”.