A perda de arrecadação tributária real do governo federal no primeiro trimestre teve impacto bem mais forte nos tributos compartilhados com Estados e municípios do que naqueles que são quase totalmente apropriados pela União. A constatação foi feita pelo economista José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas. “Está ruim para todo mundo, mas para alguns está muito pior”, diz Afonso.

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Os números da arrecadação divulgados pela Receita Federal mostram que o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), principais tributos federais compartilhados com Estados e municípios, tiveram uma queda real (descontada a inflação do IPCA) de 11,2% no primeiro trimestre, comparado a igual período de 2008. Já todo o resto da arrecadação federal, que na sua quase totalidade fica com a própria União, teve uma queda real de apenas 2,9%.

Essa deterioração maior da arrecadação compartilhada é o pano de fundo das pressões de municípios e Estados para que sejam compensados, diante dos efeitos da crise econômica na receita pública brasileira. Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordou em pagar aos municípios a diferença entre o que foi recebido em 2008 e o valor repassado este ano. E medidas de auxílio aos Estados também estão na pauta do governo.

A arrecadação total do governo federal, apurada pela Receita Federal, no primeiro trimestre recuou, em termos reais, 6%, ou R$ 10 bilhões, saindo de R$ 166,2 bilhões em igual período do ano passado para R$ 156,2 bilhões. Uma parcela de 70% deste recuo, ou R$ 7 bilhões, corresponde à queda dos tributos compartilhados, o IR, o IPI e a Cide, que em seu conjunto saíram em termos reais de R$ 62,7 bilhões para R$ 55,7 bilhões entre o primeiro trimestre de 2008 e de 2009.

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No restante da arrecadação da União, que inclui IOF, Cofins e receita previdenciária, entre outros, a queda real no mesmo período foi de R$ 3 bilhões, de R$ 103,4 bilhões para R$ 100,4 bilhões. Essa parte é quase toda apropriada pela União, com exceção de alguns itens de arrecadação relativamente baixa, com o Imposto Territorial Rural (ITR).

Tanto no IR quanto no IPI, 21,5% da arrecadação vai para o Fundo de Participação dos Estados, 23,5% para o Fundo de Participação dos Municípios e 3% para fundos regionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, num total de 48% de transferências para fora dos cofres da União. No caso do IPI, há uma transferência adicional de 10% para os Estados exportadores. Já no caso da Cide, 29% vai para Estados e municípios.

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Afonso nota que uma das razões para a queda do IPI, compartilhado com Estados e municípios, é a política de desoneração do governo federal para combater a desaceleração econômica. Na sexta-feira, o governo concedeu nova isenção de IPI, desta vez para os eletrodomésticos. Afonso diz concordar com a política, mas com uma ressalva: “O IPI é para isso mesmo, é para ser um imposto regulatório, mas o problema é que há um reflexo federativo muito importante, para o qual precisa se encontrar uma solução”. Ele considera boa a proposta de Lula para os prefeitos e acha que o pleito dos governadores também tem fundamento.

Do total de R$ 7 bilhões da perda real dos tributos compartilhados, 38% são explicados pela queda do IPI, 33,6% pela do IR e 28,4% pela da Cide. A muito falada perda do IPI com os estímulos dados à indústria automobilística foi de R$ 1,34 bilhão, metade da perda total de IPI.

O economista observa que há itens de recuo na arrecadação dos tributos compartilhados bem maiores do que a do IPI dos automóveis, com a queda de 3,5 bilhões na arrecadação real de IR de empresas (pessoas jurídicas), que saiu de R$ 26,6 bilhões no primeiro trimestre de 2008 para R$ 23,1 bilhões no mesmo período de 2009. Só o IR das empresas, portanto, explica 50% da queda real dos tributos compartilhados.

O IR das instituições financeiras também diminuiu, caindo 32%,de R$ 6,3 bilhões para R$ 4,3 bilhões. “Os bancos estão lucrando menos com a crise e aumentaram a provisão para devedores duvidosos”, diz Afonso. Já a queda real do IR das pessoas físicas no primeiro trimestre foi de 26% – de R$ 2,3 bilhões em 2008 para R$ 1,7 bilhão. Esses números não incluem o IR retido na fonte, que teve crescimento real de 7,8% ou R$ 1,7 bilhão no primeiro trimestre

A queda da Cide no período foi radical, de R$ 2,1 bilhão em 2008 para R$ 117 milhões em 2009, refletindo o corte drástico no tributo para permitir que a Petrobrás não repassasse a alta violenta do petróleo no período anterior à eclosão da crise.