A América Latina cresce pouco e enfrenta um cenário adverso de queda nos preços das commodities e de “normalização” da política monetária dos Estados Unidos neste e nos próximos anos. Alejandro Werner, diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), recomenda aos governos da região evitar “soluções fáceis” e não considerar a queda do crescimento como uma “baixa transitória”.

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Em entrevista ao Estado, o economista afirmou que os protestos públicos terão impacto na condução das políticas fiscais. A busca de maior eficiência nos gastos sociais será chave nesta fase de baixo crescimento e tem sido demanda pela população em protestos nas ruas.

Quais as perspectivas para a América Latina nos próximos anos?

Alejandro Werner – É esperada a estabilidade fiscal e financeira, com crescimento baixo. Estimamos para este ano expansão de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o mais baixo dos últimos 11 anos se tirarmos o resultado de 2009. Há desaceleração na América do Sul. Essas economias estão perto do PIB potencial, têm desemprego muito baixo e já estão expostas à queda dos preços de suas commodities de exportação.

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A crise está presente em todas as áreas da economia da Venezuela?

Alejandro Werner – Vemos um nível de distorção muito mais elevado na Venezuela do que o da Argentina. Isso acontece tanto na parte micro como na macroeconômica e gera redução do PIB e aumento no déficit do setor público. Como o déficit fiscal é financiado pela expansão monetária, a inflação aumenta. Trata-se da economia latino-americana com os mais altos déficit fiscal, inflação e escassez. Vemos claramente o fenômeno de estagflação na Venezuela em 2014, com crescimento negativo de 0,5% e inflação crescente (57,3% ao ano em fevereiro). Diante da escassez e do balanço de pagamentos complexo, o governo criou o Sicad 2 (terceiro sistema oficial de câmbio, em operação desde março), que está na direção correta, Mas não há, em paralelo, um programa congruente nas áreas fiscal, financeira e monetária que oriente a economia para a estabilização em médio prazo.

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O que mais preocupa o FMI em relação à Argentina?

Alejandro Werner – Estamos trabalhando com a Argentina na construção de um novo indicador de preços ao consumidor e no cálculo do PIB. Neste ano, o governo adotou medidas corretas para conter a queda nas reservas internacionais, que somaram apenas US$ 13 bilhões no final de 2013. A Argentina está fazendo um esforço de normalização. Como não temos as consultas periódicas (desde 2004), fica difícil dizer o que a Argentina ainda precisa fazer.

O FMI alerta para a necessidade de a América Latina adotar políticas de médio prazo de aumento da competitividade. Mas o que é urgente em curto prazo?

Alejandro Werner – A política macroeconômica deve refletir o novo ambiente de queda de preços de commodities, de menor crescimento econômico e de aumento da taxa de juros nos EUA. Manter a estabilidade macroeconômica, fiscal e monetária será mais difícil agora do que no passado. A queda de crescimento não será transitória. Esse ambiente pode gerar mais vulnerabilidade financeira. Para manter a solidez dos bancos e dos mercados de capitais, as economias não podem ficar descalças de moedas nem de fontes de financiamento de curto prazo. O mais importante será descartar soluções fáceis para problemas difíceis. Só as reformas estruturais permitirão à América Latina ter taxas altas de crescimento com estabilidade.

Daria um exemplo de solução fácil a ser evitada?

Alejandro Werner – O estímulo a uma economia próxima ao PIB potencial com políticas de aumento da demanda agregada e com pleno emprego. Em dois ou mais anos, essa solução fácil gera inflação e aumento no déficit em transações correntes, que terão de ser corrigidas com ajustes mais custosos.

Quais os riscos para a América Latina dos “ajustes desordenados” da política monetária dos EUA?

Alejandro Werner – Os mercados esperam que o Fed comece a elevar a taxa de juros em algum momento da segunda metade de 2015. As mensagens do Fed devem ser emitidas de forma clara para não gerar nova volatilidade. Para todos os países da América Latina, a consequência imediata da volatilidade será a saída de capitais, o ajuste nos preços dos ativos, a queda nas bolsas de valores, o aumento da taxa de juros e a desvalorização cambial. Se a volatilidade persistir, decisões de investimento e de consumo tendem a ser postergadas. Os PIBs encolherão.

Manifestações populares têm ocorrido em vários países da América Latina, até mesmo no Peru, onde a economia cresce. Na Venezuela, têm sido constantes e reprimidas com violência pelo governo. As estimativas do FMI levam em conta esse clima de insatisfação popular?

Alejandro Werner – O entorno social e político é muito importante para definir o sucesso ou fracasso de medidas econômicas. Os protestos são diferentes em cada país da região. A Venezuela traz o caso extremo de polarização política. No Brasil e no Chile, tratam-se de demandas da nova classe média por mais qualidade dos serviços públicos e por maior transparência do governo, que passarão a condicionar as políticas públicas e a adoção de medidas fiscais e monetárias. A eficiência do gasto público será cada vez mais importante. Apesar de o gasto público como proporção do PIB ter aumentado em todos os países da região nos últimos 10 anos, há margens de eficiência na sua distribuição a serem explorados. Os subsídios à energia, por exemplo, beneficiam os setores mais ricos.

A região não tem como escapar do controle dos gastos públicos?

Alejandro Werner – Essa é a mensagem. A América Latina vinha agindo bem nessa área desde 2004, mas nos últimos quatro anos houve debilitação. A área fiscal tem de continuar a ser a fortaleza da região e não se tornar fonte de sua fragilidade.