Rio  – O dólar já caiu quase 10% nas últimas três semanas mas o consumidor ainda sente no bolso os efeitos do choque cambial deste ano. Depois de itens importados, alimentos e, mais recentemente, combustíveis e energia elétrica, a alta de preços chegou também aos serviços. Os preços do setor subiram com mais força nos últimos dois meses e, em algumas regiões do País, acumulam alta de quase 10% no ano. Os serviços são a ponta final na cadeia de impactos do dólar sobre a inflação. Alguns economistas acreditam que, por conta disso, as altas serão temporárias. Outros, porém, temem que esses reajustes sejam o começo de um processo de inflação mais generalizada.

Na semana passada, a Fipe divulgou seu Índice de Preços ao Consumidor, que subiu 1,28% em outubro. A categoria de produtos não-comercializáveis (tudo o que não pode ser exportado ou importado, ou seja, basicamente os serviços) subiu 0,87%. É um número bem acima dos 0,49% registrados em setembro e dos 0,02% de agosto. No Rio, o Instituto Fecomércio constatou que os preços dos serviços subiram 1,57% em outubro, contra 1,49% em setembro.

? Quando os serviços sobem, acende-se a luz amarela no risco de surgir uma dinâmica inflacionária. Significa que os agentes têm a expectativa de que a inflação será mais alta, num processo que pode ganhar vida própria ? diz Alexandre Maia, economista da GAP Asset Management.

Ele explica que, nos próximos meses, o Banco Central precisará manter as taxas de juros elevadas, para evitar uma alta de preços generalizada. E lembra que, hoje, os efeitos do dólar são mais fortes do que em 1999 ? naquele ano, quando houve a mudança no regime cambial do país, a alta dos serviços respondeu por apenas 4,91% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que ficou em 8,94%. Agora, o setor é responsável por quase 23% do IPCA de 7,93% dos últimos 12 meses até setembro.

O economista-chefe do Citibank, Carlos Kawall, ressalta que a alta do dólar nos últimos meses foi bem maior do que a variação registrada em 1999, de 48,92%. Como em 2001 também houve um choque cambial, desde o ano passado o dólar já subiu 82%.

O efeito do câmbio sobre os serviços é indireto. Os profissionais do setor elevam seus preços porque têm que arcar com custos mais altos de outros produtos diretamente afetados pelo dólar. É o caso do salão de cabeleireiro Silvanio?s, no Catete. Márcia Cristina David, sócia do salão, explica que a alta das tarifas de luz e dos produtos importados forçaram um reajuste no mês passado. A escova mais barata passou de R$ 15 para R$ 20, uma alta de 33%.

? Mantivemos os preços por quatro anos, mas agora não dá mais. Usamos muito secador e outros equipamentos elétricos. E os Xampus, alguns importados, subiram até 30% ? diz Márcia, garantindo que só não viu o salão esvaziar porque a clientela é cativa há 20 anos.

A demanda fraca, resultado da economia desaquecida, será um entrave que os serviços continuem subindo, diz o economista Luiz Roberto Cunha, diretor do Instituto Fecomércio-RJ. Cunha não teme um descontrole da inflação porque acredita que a recente alta nos serviços é apenas o último reflexo da disparada do dólar. Ele estima que, depois de passados os impactos do reajuste da energia no Rio (a Light subiu em 17,11% sua tarifa semana passada) e da alta nos combustíveis, que devem fazer o IPCA de novembro ficar acima de 1,50%, a tendência é a inflação recuar.

? A economia está fraca e não há demanda para que os preços dos serviços subam. E também não há nenhum sinal de que o próximo governo vá afrouxar os mecanismos que mantêm a inflação sob controle, como os juros altos ? afirma Cunha, ressaltando que seu cenário considera o dólar se estabilizando no atual patamar, entre R$ 3,50 e R$ 3,60.

Para o economista Luís Afonso Lima, do BBV Banco, o risco de o país voltar a ter um processo inflacionário não está totalmente afastado. A alta no preço dos serviços, afirma, pode ser conseqüência de uma percepção de que a inflação será maior no futuro. Como ainda têm a memória do período de inflação alta, anterior ao Plano Real, os profissionais do setor estariam reajustando seus preços para se proteger de uma elevação em outros produtos.

Já o economista Élson Teles, do Banco Boreal, afirma que é muito cedo para saber qual será o efeito da recente alta nos serviços. Assim como Cunha, da Fecomércio, ele lembra que a demanda na economia está fraca.

? O orçamento é apertado. O consumidor já está gastando mais com luz e combustível e não vai dar para pagar mais caro pelos serviços ? diz Teles, acrescentando que, por conta disso, além de manter os juros altos, o próximo governo terá que resistir às pressões por qualquer tipo de indexação salarial.

Marcos Salomão, sócio da oficina mecânica MGS, em São Cristóvão, faz malabarismos para manter o preço da mão-de-obra especializada:

? Tento não mexer no custo do serviço para o cliente. Mas, para não encarecer a mão-de-obra, eu deixei de repassar o desconto que recebo das montadoras ? contou Marcos.

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