Cerca de 870 mil dos trabalhadores da cultura no Brasil, formais e informais, perderam seus empregos entre dezembro de 2019 e junho de 2020. Esse grupo inclui atividades artesanais, cinema, teatro, rádio, TV, fotografia, artes visuais e setor editorial.
O número total de pessoas empregadas no setor cultural era de 7,1 milhões em dezembro de 2019, mas caiu para para 6,2 milhões em junho deste ano, o que representa uma queda de 12,2% de pessoas trabalhando na cultura.
Os dados foram captados pelo Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural, utilizando dados da Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
A pesquisa separou o mercado de trabalho do setor cultural em três categorias. A primeira é composta pelo pessoal de apoio, isto é, profissionais de outros campos que atuam na cultura, como um contador que presta serviços para um teatro, por exemplo — nesta categoria, a queda nos postos de trabalho foi de 9,78%, entre junho de 2019 e junho de 2020. A segunda é de profissionais que exercem atividades da economia criativa em outras áreas, como um designer que atua na indústria automobilística — aqui, a queda foi de 15,34%. Por fim, os trabalhadores especializados em atividades de economia criativa e que trabalham nas áreas de origem — que vão de arquitetos a publicitários e artistas plásticos –, que tiveram queda de 6,27% nos postos de trabalho no período de um ano. No agregado das três categorias, houve retração de 9,94% entre junho de 2019 e junho de 2020, caindo de 6,9 milhões de pessoas trabalhando no segmento cultural para 6,26 milhões.
O impacto da pandemia fica ainda mais perceptível quando o quadro é analisado com dados de dezembro de 2019. Entre junho e dezembro de 2019, houve um aumento de 2,6% nos postos no mercado de trabalho cultural, mas que foram ceifados com a crise do coronavírus. O resultado foi a queda de 12,2% nos postos de trabalho.
Segundo Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, “o levantamento mostra a importância do sistema formal no mundo da arte e da cultura, já que dentro do campo formal, houve uma menor queda”.
Segundo dados da Pnad, entre junho de 2019 e junho de 2020, a queda de postos de trabalho formais, que nesta pesquisa também inclui aqueles empregados como pessoa jurídica, foi de 6,24%. No caso dos informais, a queda foi de 21,3%.
Segundo Saron, é preciso “entender a economia criativa como um grande ativo de desenvolvimento econômico”. “E esse é o primeiro passo para criar políticas de qualificação adequadas, melhorar os sistemas de coleta de dados e mecanismos de formalização. Não é uma ação só de um ente da federação, mas do país inteiro.”
Segundo os dados de junho deste ano, eram 2,2 milhões os trabalhadores informais na área cultural, enquanto os formais eram 4 milhões.
Eduardo Cardoso, de 27 anos, trabalhava havia oito anos no setor operacional do Teatro Eva Herz. Suas atividades incluíam desde recepcionar artistas a supervisionar os espaços físicos e a bilheteria.
A situação do teatro já não era das melhores, uma vez que pertence à Livraria Cultura, em crise pelo menos desde 2018. Em março, a Cultura anunciou a suspensão de todos os pagamentos a seus fornecedores por tempo indeterminado.
Segundo o ex-funcionário, com a decretação da pandemia pela OMS, a Organização Mundial da Saúde, a equipe passou a trabalhar remotamente. Mas após duas semanas ele recebeu uma ligação da gerência, informando sua demissão.
Depois de quase uma década trabalhando em um teatro, ele tem dificuldade de encontrar emprego na área em que tem experiência. “Está bem complicado. Os teatros que estão abertos e fazendo espetáculos já têm equipe. É difícil encontrar outra oportunidade em teatro”, diz.
Ele não pediu auxílio emergencial ou ajuda pela Lei Aldir Blanc porque estava recebendo seguro-desemprego até setembro. Enquanto envia currículos para museus e espaços culturais em que sua experiência possa valer, enquanto busca capacitação com cursos online.
Uma área que observou uma queda menos acentuada no número de postos de trabalho foi o setor de TI, que retraiu em 4% entre junho de 2019 e junho de 2020. O campo costuma empregar trabalhadores da economia criativa, com destaque para a área de videogames.
Vitória Magalhães, de 24 anos, trabalhava com design gráfico na indústria de alimentos em Curitiba até junho deste ano. Em meio à pandemia, ela não foi demitida, mas preferiu sair do emprego para se arriscar e seguir o sonho de trabalhar na indústria de games. Ela não demorou um mês para conseguir a vaga que queria, de artista 3D, no estúdio Aquiris, um dos maiores do Brasil, em Porto Alegre, ganhando um salário mais alto.
“Antes minha mãe falava que eu era doida por querer trabalhar com games. Hoje ela fala ‘ainda bem’ que eu escolhi essa carreira”, diz. Ela afirma acreditar que “talvez o país vá ter uma visão diferente sobre as empresas de jogos depois da pandemia, novos campos estão se abrindo”.