Como esperado, a Quarta-feira de Cinzas foi de forte correção nos ativos domésticos ao estresse visto nos mercados internacionais nos últimos dias, com aumento da inclinação da curva a termo. A rápida disseminação do coronavírus, agora pela Europa, e o primeiro caso da doença confirmado no Brasil acentuaram o ajuste nos preços, com o aumento da busca pela segurança, pressionando o rendimento dos Treasuries, penalizando moedas emergentes e pressionando para cima os juros de longo prazo. Porém, diante da percepção de que os impactos sobre a atividade devem resultar num movimento de injeção de liquidez global por parte dos bancos centrais, o comportamento das taxas futuras foi considerado até limitado em relação ao que se viu nas ações e no câmbio. As taxas curtas oscilaram ao redor da estabilidade durante toda a sessão e os longos subiram em torno de 15 pontos-base.

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Internamente, na sequência dos rumores de saída do ministro Paulo Guedes na semana passada, novos ruídos políticos trouxeram desconforto e só não fizeram mais preço em função da gravidade da situação relacionada ao coronavírus. O presidente Jair Bolsonaro compartilhou durante o carnaval vídeo pelo WhatsApp, de convocação à população para os protestos de teor anti-Congresso Nacional, agendados para 15 de março.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 fechou em 4,195% (regular) e 4,200% (estendida), de 4,185% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2022 encerrou a 4,76% (regular) e 4,77% (estendida), de 4,681% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2025 encerrou com taxa de 6,19% (regular) e 6,20% (estendida), de 6,062% no último ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 avançou de 6,471% para 6,63% (regular) e 6,65% (estendida).

Nesta sessão mais curta, as taxas já abriram pressionadas pela correção ao exterior, na medida também que o dólar avançava, mesmo com as intervenções extraordinárias anunciadas pelo Banco Central no câmbio. Enquanto isso, o dia era de recuperação em Wall Street, com alta nas Bolsas e Treasuries operando de forma mista. No meio da tarde, porém, o nervosismo voltou a prevalecer lá fora, levando os vencimentos de médio e longo prazos da curva local, mais expostos à piora da percepção de risco externo, a renovarem máximas, na medida em que os Treasuries sucumbiam, com os rendimentos acelerando a queda em função da busca pela segurança, que também penalizou moedas emergentes.

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Os efeitos da epidemia são preocupantes não pela letalidade do vírus, considerada baixa, mas pelo potencial de estragos na economia, ao afetar oferta e demanda por produtos e serviços. Com isso, cresce a expectativa por mais injeção de liquidez até por parte do Federal Reserve, na medida em que a curva dos Treasuries segue invertida, indicando recessão à frente. “Mesmo que o nervosismo com o vírus diminua, o mercado de títulos obrigará o Fed a reduzir as taxas”, afirma Edward Moya, analista de mercado da Oanda em Nova York. Hoje, segundo a Bloomberg, foi confirmado mais um caso em território americano, chegando a um total de 15.

Diante da disseminação da epidemia, no Brasil, um integrante da equipe econômica reconheceu que o cenário “piorou bastante” e o governo está considerando refazer a sua projeção de crescimento para 2020, de 2,4% do PIB.

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Nesse contexto, o Banco Central pode se ver obrigado a rever sua sinalização de interrupção no ciclo de afrouxamento da Selic. “Nos DIs curtos, o impacto do estresse no exterior foi reduzido porque, do ponto de vista macro, com a economia desaquecendo, o viés é deflacionário, e pode levar o Copom a voltar atrás no que tinha indicado e dar mais estímulo monetário”, avaliou o estrategista de Mercados da Harrison Investimentos, Renan Sujii.

Com o coronavírus sendo a preocupação mais urgente, a repercussão do vídeo compartilhado por Bolsonaro nos preços dos ativos foi moderada, mas segue no radar dado o potencial de gerar crise entre os Poderes. “As questões locais têm sido relegadas a segundo plano, mas podem ganhar tração especialmente quando o Congresso voltar a discutir as reformas na semana que vem. Por enquanto, como a reação é só retórica, não está nos preços efetivamente”, afirmou o economista-chefe da Guide Investimentos, João Mauricio Rosal.

Na pesquisa Focus divulgada excepcionalmente hoje, as medianas para IPCA, PIB e Selic tiveram pouca ou nenhuma mudança. A expectativa para a inflação este ano caiu de 3,22% para 3,20% e a do PIB, de 2,23% para 2,20%. A projeção de Selic manteve-se em 4,25%