Foram sete meses de licença-maternidade até Monica Yon voltar ao trabalho no fim do ano passado. A empresa era a mesma, mas o ambiente apresentava novos desafios. “Me senti um peixe fora dágua. Em poucos meses, tudo parecia estar diferente. Ouvia expressões, como blockchain, machine learning, e não entendia muito bem o que aquilo significava”, afirma a executiva da Bayer, de 42 anos. Foi nesse momento, que ela decidiu se inscrever num novo programa da empresa, que consistia em diminuir o abismo que existe entre as gerações dentro das companhias atualmente.
A ideia – adotada em vários grupos – é unir um executivo sênior com um profissional jovem. Nesses programas, os mais experientes são treinados por “coaches” com idades entre 23 e 30 anos, os chamados millennials (ou geração Y). Normalmente, eles se reúnem uma vez por mês e discutem temas variados. O mais recorrente, porém, é como lidar e melhorar a comunicação com a nova geração no mercado de trabalho.
No caso de Monica, sua mentora foi Fabiana Sanchez, uma analista de Projetos para Transformação Digital, de 24 anos. As duas se reuniram durante quatro meses em seis sessões de uma hora cada. “Os encontros me fizeram entender como é a mentalidade dessa nova geração, o que eles gostam e o que os motivam”, diz Monica, chefe da área de farmacovigilância. Segundo ela, o programa mudou o jeito dela liderar sua equipe.
Do outro lado, Fabiana também conseguiu absorver um pouco da visão que um chefe tem no dia a dia. “Antes tinha a percepção que ninguém me ouvia”, diz. “Hoje percebo que essa resistência diminuiu.” O objetivo ao entrar no programa, afirma, era aumentar a rede de contatos dentro da empresa, se fazer entender e discutir assuntos sobre tecnologia – tema que também agradava Monica na sua retomada ao trabalho após a licença-maternidade.
Nos últimos tempos, o conflito entre gerações tem sido pauta das grandes companhias no mundo inteiro. No Brasil, esse movimento tem sido provocado especialmente pelo aumento da longevidade da população, que tende a crescer ainda mais nos próximos anos. “Isso faz com que as empresas tenham três gerações trabalhando juntas no mesmo ambiente”, afirma Ricardo Basaglia, diretor-geral da PageGroup no Brasil. “Em mais algum tempo, é possível termos até cinco gerações trabalhando juntas.”
Para ele, o maior desafio das empresas é tirar proveito de cada geração e conseguir o engajamento dos trabalhadores, com maior retenção. Esses foram alguns pontos que levaram o Citi Brasil a implementar por aqui o programa que já é adotado no exterior.
“Queríamos atacar questões como o nível de turnover (rotatividade) mais alto entre os jovens e também a falta de entendimento entre gerações”, afirmou Felipe Cotta, responsável por recursos humanos no Citi. No banco, os mentores têm entre 25 e 30 anos e os executivos seniores, entre 40 e 50 anos. Miguel Queen, de 41 anos, e Mariana Elmais, de 26 anos, participaram dessa experiência exatamente para entender as visões de cada geração.
Pesquisa recente feita pela empresa de recrutamento Randstad, com 130 mil pessoas em vários países, mostra que 80% dos trabalhadores sentem que a principal diferença em trabalhar em um ambiente multigeracional são os estilos de comunicação. “O desafio é unir as duas gerações, pois ideias inovadoras vêm da mistura das diferentes experiências”, diz Fabio Battaglia, presidente da Randstad no Brasil.
‘Tento uma comunicação mais fluida’
Quando Mariana Elmais, de 26 anos, decidiu entrar no programa de mentoria do Citi Brasil seu principal objetivo era fazer seu parceiro enxergar o mundo dos millennials pelos seus olhos. Analista da área de produtos do Citi, ela entende que sua geração é mais ansiosa e imediatista, mas que também sofre com os rótulos. “Crescemos com o celular nas mãos e bombardeados de informações por todos os lados”, diz. “E, às vezes, há dificuldade para colocar as ideias em prática.”
Para se preparar para o primeiro encontro com o executivo Miguel Queen, corresponsável pela área de corporate banking do Citi, estudou vários assuntos, de inovação a liderança. Mas o objetivo de Queen, de 41 anos, era aperfeiçoar a comunicação com os mais jovens e conseguir elevar o índice de retenção desses profissionais no banco. “Essa geração é muito impaciente, mas a vida corporativa não é imediata. Paciência é algo que precisa ser desenvolvido por esses jovens”, diz ele, que está no banco há 14 anos.
Os dois profissionais estão apenas no segundo encontro, mas já começam a compreender o mundo um do outro. “É uma geração difícil de impor qualquer coisa sem um propósito”, diz Queen. A compreensão tem sido mútua: “Temos de aprender a lidar com pessoas diferentes e ver o lado delas”, afirma Mariana.
Para Mariana, que cresceu numa família de bancários e sempre quis trabalhar no setor, a experiência com Queen também tem ajudado a compreender a geração mais sênior do banco. “Meu objetivo é criar uma comunicação mais fluida entre as gerações”, diz ela, que trabalha no Citi há três anos.
No banco, além de Queen e Mariana, outras 18 duplas têm passado pela mesma troca de experiência. O programa, que começou em fevereiro e terá seis meses de duração, tenta discutir outros pontos importantes dos dias atuais, como inovação e diversidade e não apenas diminuir a distância entre os funcionários de idades diferentes. “Temos de encontrar a forma mais fácil de nos comunicar com os diversos trabalhadores”, diz Felipe Cotta, responsável por recursos humanos no Citi.
‘Posso trabalhar mesmo com fone de ouvido’
Aos 47 anos, o executivo Luis Hamilton lidera uma equipe diversificada na farmacêutica Sanofi. Diretor de Tecnologia da Informação e Soluções para a América Latina da empresa, ele lida com profissionais de várias gerações, de um funcionário com 42 anos de empresa a jovens de 22 anos de idade. “Com um grupo tão diversificado, comecei a perceber que a comunicação tradicional não estava alcançando os objetivos”, afirma. “Foi aí que pensei que uma pessoa de fora, sem viés e com perspectivas diferentes pudesse me ajudar.”
Desde o ano passado, ele está sendo “treinado” por Thamyris Campos, de 31 anos. Ela é especialista em assuntos regulatórios da área industrial da Sanofi e fica na unidade de Campinas no interior de São Paulo. Ele fica na capital. Por causa da distância, eles começaram o programa com uma reunião por mês. “Hoje conseguimos falar pelo menos uma vez por semana, seja pessoalmente ou por telefone”, afirma Thamyris.
Ela diz que a primeira meta dos dois foi reunir o time de Hamilton para entender como a equipe via a comunicação do departamento. A partir daí, Thamyris começou a passar vários desafios para o executivo e até tarefa de casa. “Não é que estava tudo errado, mas precisava olhar por outros ângulos para melhorar a comunicação”, diz Hamilton, que adotou novos canais para conversar com sua equipe, inclusive pelas redes sociais.
Segundo ele, o programa de mentoria de Thamyris, que vai até setembro, ajudou a entender um pouco mais do mundo dos millennials. Para Hamilton, a característica dessa geração é a informalidade e a simplificação – bem diferente do perfil dos profissionais de TI, considerados mais introvertidos. O executivo mudou até o estilo de se vestir no trabalho. “Agora até uso jeans.”
Do outro lado, Thamyris também está contente com o retorno do programa e a troca de experiência. Ela acredita que as reuniões ajudaram a diminuir a barreira que existe entre as gerações. “As pessoas precisam entender que a gente consegue usar o fone de ouvido e fazer um trabalho bom”, diz ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.