Entre 30 e 35 loteamentos clandestinos de Curitiba podem ser regularizados se um projeto de lei, que ainda está em processo de elaboração na prefeitura, for aprovado.
As áreas, fracionadas e vendidas sem a devida aprovação de uma série de órgãos, tornaram-se um verdadeiro imbróglio para o município, que há anos estuda formas de resolver a situação de inúmeras famílias carentes que pagaram pelos terrenos, mas até hoje não conseguiram obter suas escrituras.
Na última semana, o assunto chegou a ser tratado pelos vereadores Paulo Frote e João Cláudio Derosso (ambos do PSDB), que se reuniram com técnicos da prefeitura.
Na ocasião, Derosso, que é presidente da Câmara dos Vereadores, estava no comando do Executivo, substituindo o prefeito Luciano Ducci. Segundo Frote, moradores dessas áreas reivindicam solução do poder público para regularizar seus lotes.
Frote declarou que há loteamentos com processos de regularização em andamento, mas que poderiam já ser concluídos. “Algumas dessas áreas têm dívidas de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) impagáveis e também não dispõem de percentual de área livre para implantação de equipamentos públicos e arruamentos, além de ocupações em áreas de preservação ambiental”, declarou, pedindo flexibilização nessas exigências.
O buraco, no entanto, é mais embaixo. Ao mesmo tempo em que a prefeitura indica que há uma série de leis, inclusive federais, que não podem ser contrariadas, também sinaliza que uma possível regularização “forçada” apenas envolveria áreas mais carentes, onde há interesse social.
Burocracia
O vice-presidente de Desenvolvimento Urbano do Sindicato da Habitação e Condomínios do Paraná (Secovi-PR), Valdir Miguel de Souza, explica que o principal documento que norteia os loteamentos é a lei federal 6.766, de 1979. Até aquele ano, a implantação de um loteamento era bem mais tranquila. “Em até 90 dias você tinha um loteamento aprovado e vendendo”, diz.
Trinta anos depois, porém, a cultura permanece a mesma para muitos empreendedores que tentam implantar loteamentos. Souza pondera que alguns, até de boa-fé no início, pensam que o processo é simples, compram um terreno grande e, quando se deparam com a enorme burocracia ou com regras que não conseguirão cumprir, acabam dividindo a área e vendendo os lotes, irregularmente.
Já outros, lembra ele, entram de má-fé no processo e, pior, muitas vezes com a conivência de políticos locais. De olho em algumas centenas ou milhares de votos que podem conseguir ao tornarem regular uma área clandestina, vendida a preços muitas vezes menores que a metade do valor de mercado de lotes legalizados, ajudam a dar cobertura a irregularidades.
Souza diz que a maioria dos lotes é vendida na base do boca-a-boca. Mas em locais mais distantes, como em áreas isoladas em municípios da Região Metropolitana de Curitiba, onde a fiscalização é deficiente, os vendedores não hesitam em colocar placas.
“Muitas vezes dizem aos interessados que está tudo encaminhado na prefeitura. Mas se tem processo, não quer dizer que não tenham etapas a serem cumpridas”, alerta.
Exigências
Entre os requisitos para lotear terrenos, Souza elenca a destinação mínima de 35% da área ao município, para a implantação de arruamento e outros equipamentos, como praças, postos de saúde, escolas.
Esses equipamentos devem ocupar pelo menos 10% da área total. Além disso, há as exigências ambientais: se houver nascente de rio, ela deve ser isolada; os lotes devem estar a 30 metros das margens dos rios; bosques nativos têm que ser preservados, entre outras.
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Souza admite que boa parte do problema se deve à burocracia excessiva. Ele recorda casos, recentes, inclusive, em que órgãos ficavam empurrando exigências um para o outro.
Houve, também, a tentativa de se criar, no âmbito do governo estadual, um balcão único que receberia os pedidos de regularização e os distribuiria entre os órgãos competentes.
“Mas o interessado tinha que ir aos órgãos de qualquer jeito”, observa. Ainda assim, ele diz que os entraves burocráticos não podem servir de desculpa para se cortar caminhos. “Isso é um absurdo. É um crime, gera indiciamento e prisão. E tem que ser denunciado”, afirma.
Regularização tem que ser criteriosa
O presidente da Comissão de Regularização de Loteamentos de Curitiba, Roberto Marangon, diz que a legalização de loteamentos tem que ser vista com muito cuidado.
“Um loteamento clandestino não pode ser beneficiado com dispensas. Se agíssemos assim, estaríamos incentivando a prática”, afirma. Para ele, que é da Secretaria do Urbanismo (a comissão reúne técnicos de vários órgãos), a maior dificuldade dos loteamentos já habitados está em cumprir as adequações – que justamente foram os motivos pelos quais o poder público negou a legalização.
Outro problema, segundo Marangon, está nos proprietários dos terrenos, que vendem os lotes e depois desaparecem. Em muitos casos, as áreas estão no nome de laranjas, ou de associações de moradores.
Para completar, as dívidas do IPTU são mais um entrave: como os lotes não chegaram a ser individualizados, o imposto é cobrado sobre toda a área e, em tese, teria que ser rateado entre os moradores. “Temos casos em que a dívida é de cerca de R$ 2 milhões”, aponta.
A proposta de regularização de loteamentos clandestinos em Curitiba está, atualmente, sob análise jurídica da Procuradoria do Município. De acordo com Marangon, está sendo cogitada pelo menos a possibilidade de isentar o loteamento de doar os 10% destinados a equipamentos públicos. “Esse é um grande complicador”, afirma.
No entanto, nem todos os mais de 80 loteamentos clandestinos da capital paranaense devem ser contemplados com a possibilidade de regularização. “A área tem que ser de interesse social, ou seja, abrigar moradores de baixo poder aquisitivo”, explica Marangon.
O problema é que a maioria das áreas não se enquadra nessa condição, que cobre apenas entre 30 e 35 locais, segundo ele. “Em muitos lugares as casas são de bom padrão”, conta, lembrando que a definição do interesse social ou não ficaria por conta da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab).