Os bancos erraram feio nas projeções para 2003. Das previsões para o desempenho de sete indicadores econômicos este ano, apenas uma ficou ligeiramente próxima dos números apresentados pelas instituições: a parcela do endividamento público no Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país).
O cenário traçado no fim do ano passado combinava inflação alta (de até 22,4% pelo IGP-M, de acordo com o JP Morgan), câmbio explosivo (no topo das previsões, R$ 4,25 pelo Citibank), crescimento do PIB de até 2% e um superávit comercial de não mais que US$ 17 bilhões. O ano de 2003 surpreendeu positivamente no câmbio, nos juros e no saldo comercial, mas ficou devendo muito no quesito crescimento.
A inflação caiu à metade, os juros recuaram dez pontos e o dólar estabilizou-se abaixo dos R$ 3. Um cenário improvável em dezembro do ano passado, no auge da crise política e cambial, quando a moeda americana encostou nos R$ 4, os juros bateram 25% ao ano e a inflação passou dos 10%. Após driblar o fantasma da recessão no primeiro semestre, o país deve encerrar o ano com uma expansão econômica próxima a zero, desemprego em alta (cujo índice médio é o maior nos últimos 18 anos) e renda achatada ? efeitos colaterais da política monetária restritiva do primeiro ano do governo Lula.
? Ninguém acreditava que 2003 pudesse terminar com um saldo positivo. Nosso grande erro foi não acreditar no comprometimento do novo governo com políticas fiscais e econômicas responsáveis ? admite Alexandre Póvoa, economista do Banco Modal.
Para Póvoa, o câmbio foi uma das grandes surpresas do ano, reflexo da confiança maior no governo Lula. A retomada das captações de empresas brasileiras no exterior ajudou a empurrar o dólar para baixo, tirando sua pressão sobre os preços.
O governo aproveitou o dólar em queda e a pouca necessidade de proteção (hedge) cambial dos investidores para resgatar parte da dívida corrigida pelo dólar, reduzindo assim essa parcela da dívida que tinha um potencial de descontrole, caso o país atravessasse nova crise.
? Era difícil prever tamanha melhora no início do ano. Saíamos de um dólar de quase R$ 4. Essa melhora só foi possível graças à confiança na política econômica do novo governo ? avalia Fábio Motta, estrategista da Sul América Investimentos.
Outro grande avanço foi o saldo comercial, que dobrou em 2003 ? saltou de US$ 12 bilhões para US$ 24 bilhões ? patrocinado por exportações e produção agropecuária recordes. O aumento das relações comerciais ajudou a diminuir a vulnerabilidade externa. A dívida pública também deu um salto qualitativo.
Apesar de a dívida continuar elevada em relação ao PIB (58%), o país conseguiu afastar as suspeitas de moratória levantadas no fim do ano passado. Para se ter uma idéia, o risco-Brasil, termômetro da confiança dos investidores internacionais, caiu de 1.445 pontos centesimais no início do ano para 480 pontos na última sexta-feira ? um recuo de 66,7%.
Segundo Motta, da Sul América, mais importante que a relação dívida/PIB é o perfil do endividamento, que melhorou muito em 2003. A fatia da dívida corrigida pelo dólar caiu de 36% no início do ano para 23%. A parcela prefixada da dívida saiu de 1,9% para 11%.
? Isso mostra que o governo tem uma dívida que, apesar de alta, é administrável ? diz Motta.
As grandes frustrações do ano foram os indicadores de emprego e renda. Com a fraca expansão econômica em 2003, viraram as promessas de 2004.
? É difícil arriscar previsões neste sentido, mas como tudo aponta para crescimento de pelo menos 3% no ano que vem, a recuperação deve vir ? diz Póvoa.
Erros não são privilégio do Brasil
As surpresas com o desempenho da economia não foram privilégio do Brasil. Num resultado improvável para um período marcado por guerra, atentados terroristas, escândalos financeiros e aumento nos déficits fiscais das maiores potências mundiais, 2003 chega ao fim com as previsões mais otimistas dos últimos anos para a economia mundial.
As estimativas do Citigroup, por exemplo, são de que o Produto Interno Bruto dos EUA (PIB) tenha um crescimento vigoroso, de 5%, em 2004. Os países da zona do euro devem sair de uma estagnação (alta do PIB de 0,5% em 2003) para uma expansão de 1,6%. E, pelo segundo ano consecutivo, o Japão pode crescer mais do que 2% em 2004. A economia global deve saltar de uma expansão de 2,8% este ano para 4% em 2004, prevê o Citigroup.
? O próximo ano deve ser o melhor do século XXI ? brinca o economista José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Princeton (EUA), numa referência ao fraco desempenho da economia global em 2001, 2002 e 2003.
O fluxo de recursos para países emergentes, que em 2003 atingiu o maior patamar desde 1995, deve continuar vigoroso. O economista Rubens Sardenberg, coordenador da Comissão de Acompanhamento Macroeconômico da Andima, lembra que as taxas de juros americanas estão no menor patamar dos últimos 45 anos. O baixo rendimento pago a aplicadores nos EUA leva os investidores a buscarem outros mercados.
E não há previsão de alta nos juros americanos antes do fim de 2004. Analistas mais pessimistas temem que a contínua desvalorização do dólar possa forçar os EUA a subirem os juros. Mesmo assim, isso só deve ocorrer após as eleições presidenciais americanas, ou seja, em novembro.