José Alencar: culpa da era eletrônica. |
Quem imaginou que o fato de o vice-presidente José Alencar ter assinado a MP dos transgênicos na quinta-feira à noite colocaria um ponto final no imbróglio estava redondamente enganado. Ontem pela manhã, a assessoria do vice alertou que havia alguma coisa de errado. A MP assinada por José Alencar não trazia a indicação das penalidades previstas por ele, depois de reunião com representantes do governo. Isso obrigou a publicação de uma edição extraordinária do Diário Oficial, ainda ontem à tarde, corrigindo o erro.
A nova medida prevê multa de até R$ 16 mil para quem descumprir as regras previstas nela. Além disso, a primeira MP também não continha a exigência do termo de compromisso, documento que será exigido para comercialização e plantio da soja geneticamente modificada.
Outra correção diz respeito às áreas vedadas ao plantio de organismos geneticamente modificados. Não será permitido o plantio em terras indígenas, em áreas próximas a unidades de conservação e mananciais e em áreas de especial relevância para a biodiversidade.
Alencar afirmou que foram feitas diversas modificações no texto da MP nas reuniões realizadas anteontem com ministros e parlamentares. Na hora de enviar por e-mail a medida provisória para publicação no Diário Oficial, houve um engano e foi enviada uma versão anterior.
“Era eletrônica??
“É o e-mail, o correio eletrônico, a era da eletrônica. A versão final assinada é uma só. Porém não é essa versão que é levada ao Diário Oficial. O Diário Oficial recebe através de e-mail e no e-mail ele recebeu uma versão que não era a última”, revelou Alencar.
Uma edição especial do Diário Oficial foi publicada ainda ontem para corrigir o erro, segundo informou o presidente em exercício. “Eu diria que estou pagando alguns pecados”, desabafou. José Alencar justificou a demora para assinar a medida provisória dizendo que estava estudando o assunto para se certificar de que não há qualquer risco para a saúde e para o meio-ambiente. “A imprensa publicou que eu estava indeciso, eu não sou indeciso. Eu aprendi a tomar decisões sérias e para tomar essa decisão eu precisei estudar o assunto”, afirmou.
Alencar disse estar convencido de que a soja transgênica não é prejudicial. “Eu não sou contra (a adoção de soja transgênica no Brasil) e estou em condições de dizer porque não sou. Eu tive o cuidado de examinar isso com todos, inclusive com técnicos da Embrapa”, afirmou. “Eu faço questão de procurar em um mercado alguma soja transgênica para levar para casa. Eu não sei como faz soja, sei como faz feijão, mas eu não tenho medo.”
O presidente em exercício lamentou, entretanto, que a patente das sementes geneticamente modificadas não pertença ao Brasil e revelou que pediu um estudo para a Embrapa sobre as possibilidades de se desenvolver uma semente nacional para evitar o pagamento de royalties.
Alencar volta reclamar dos juros
O presidente da República em exercício, José Alencar, reclamou dos juros da dívida externa pagos pelo país e disse que não se pode submeter a economia brasileira a um tratamento tão desigual. Ao falar do alto custo do capital e do pagamento de juros da dívida, Alencar disse que este ano o Brasil já pagou de juros o equivalente a 10% do PIB do País. Segundo ele, o Brasil não pode “ficar ajoelhado pagando o custo dessa dívida que mata a economia”. Indagado se estava defendendo o calote, Alencar respondeu:
– Nunca dei calote em ninguém e o Brasil não precisa disso, mas isso não signfica que seja tão comprensivo em relação ao custo do capital.
Perguntando se acha que o Brasil precisa ser mais agressivo em suas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o presidente em exercício disse que não.
Segundo ele, o que é preciso é pôr os juros pagos pelo Brasil em patamar de mercado internacional porque, do contrário, “estamos submetendo a economia brasileira a um tratamento desigual”.
Bem-humorado, Alencar pediu uma mudança de comportamento do País e brincou dizendo que no dia 7 de setembro cantou o hino nacional de forma diferente: em vez da frase “deitado eternamente em berço esplêndido”, cantou “disposto e vigilante em solo esplêndido”.
Sei que não temos poder para mudar o hino, mas temos poder para mudar nosso comportamento – disse Alencar.
Procurador vai recorrer à Justiça
Rio (AG) – O procurador da República Aurélio Rios disse ontem, em seminário realizado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que entrará na Justiça, até o fim da semana que vem, para derrubar a medida provisória assinada pelo presidente em exercício, José Alencar, autorizando plantações de sementes de soja transgênica no Brasil.
Aurélio entende que, pela redação da MP, os agricultores que assinarem o termo de compromisso para terem direito ao uso de semente estarão admitindo culpa pelos crimes de contrabando, uso de sementes não-licenciadas e uso de agrotóxicos não-registrados. Ele disse que a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) também entrará com recurso contra a medida provisória. As sementes dos agricultores gaúchos entraram no Brasil clandestinamente, vindas da Argentina.
Em Brasília, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária à autorização para o plantio de transgênicos, recebeu na entrada do ministério um grupo de manifestantes que cercou o prédio num abraço simbólico em protesto contra a liberação. A ministra recebeu flores e cantou o hino nacional junto com os manifestantes.
Tecpar pronto para a certificação
O governo do Paraná aguarda a aprovação da lei estadual que vai proibir a produção, o transporte e a exportação de soja transgênica no Estado. E, para garantir o cumprimento da medida, o Instituto Tecnológico do Paraná – Tecpar – já está habilitado a realizar a certificação de produtos agrícolas não-transgênicos. “O Tecpar está preparado técnica e operacionalmente para atender toda a demanda do Paraná e garantir a pureza da soja aqui produzida”, garantiu Mariano Macedo, diretor-presidente do instituto.
Segundo o governador Roberto Requião, a adoção da transgenia pode gerar o surgimento de um monopólio no setor, já que a empresa americana Monsanto detém 90% das patentes transgênicas do mundo. “A Monsanto poderá controlar de forma direta as nossas possibilidades de produção”, alertou o governador.
O processo de certificação da soja começa já na multiplicação das sementes, com a avaliação de todos os carregamentos que contenham a soja que será comercializada entre os produtores. Durante o cultivo, o Tecpar realiza auditorias nas propriedades por meio da coleta de folhas nas plantações e, na colheita, são amostrados todos os carregamentos que descarregam nos pontos de recebimento.
E, no armazenamento, ainda há uma última verificação para detectar possíveis contaminações. Depois de todas essas etapas, é feita uma análise do produto no laboratório do Tecpar, que possibilita a detecção com precisão da presença de até 0,01% de transgenia em amostras analisadas. “A análise fica pronta em apenas quatro horas e é feita com a tecnologia mais avançada existente no mercado”, ressaltou César Lenz, químico do Instituto.
Segundo o químico, a certificação ainda não é exigida em todos os países importadores, mas representa um diferencial ao produto, com agregação de valor e aumento da aceitação. “A Europa paga um adicional para os produtos certificados como não-transgênicos”, disse Lenz, lembrando que a soja não modificada geneticamente é aceita universalmente.