Em abril de 2009, o G-20 assumiu papel central no combate à crise financeira global ao adotar estímulos decisivos na histórica reunião realizada em Londres. Dois anos e meio depois, o grupo se vê novamente sob forte pressão para evitar a derrocada econômica mundial, no encontro de cúpula dos dias 3 e 4 de novembro, em Cannes, na França.
Se daquela vez o G-20 surpreendeu ao mostrar coordenação e anunciar pacote de US$ 1,1 trilhão, agora o desafio pode ser considerado ainda maior. Os governos dos países ricos estão sem munição para combater a complicada turbulência vinda da Europa.
A esperança recai, portanto, sobre os emergentes. A possibilidade de ajuda financeira das nações em desenvolvimento e de reforço do Fundo Monetário Internacional (FMI) será o principal ponto de discussão no encontro desta semana. A crise da zona do euro continuará monopolizando as atenções, principalmente depois da polêmica causada pela decisão do governo da Grécia de realizar um referendo para aprovar o pacote da União Europeia.
“O título para a cúpula do G-20 em Cannes será ‘Missão Quase Impossível'”, afirmou Ivo Pezzuto, professor do Swiss Management Center University, de Zurique. “Será improvável que eles encontrem uma forma de resolver definitivamente a crise e assegurar a disciplina fiscal e o sólido crescimento econômico.”
O plano da UE, anunciado na semana passada, deixou em aberto a questão mais importante: de onde virão os recursos necessários para resgatar as economias atoladas em dívidas. O objetivo, declarado oficialmente, é atrair a China, emergente com maior poder de fogo para socorrer a Europa. Cannes será o palco para a intrincada tarefa de costura de um eventual auxílio. É óbvio que, para colocar a mão no bolso, as nações em desenvolvimento buscarão contrapartidas.
No plano europeu, a possibilidade de socorro externo aparece na forma do fortalecimento do mecanismo de resgate (EFSF, na sigla em inglês) por meio de “cooperação ainda mais próxima com o FMI” e da criação de uma sociedade de propósito específico para a compra de títulos da zona do euro com recursos públicos e privados.
Resta saber qual caminho atrairá os emergentes. Na reunião preparatória realizada há duas semanas, em Paris, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, propôs ajuda por meio do FMI, o que poderia resultar em aumento das cotas futuramente, mas acabou esbarrando na resistência dos Estados Unidos e da Alemanha. Ele sugeriu o uso de acordos de créditos bilaterais para fortalecer o fundo, que atualmente tem US$ 400 bilhões, valor considerado insuficiente.
“O G-20 poderia ser uma plataforma perfeita para o anúncio de uma sociedade de propósito específico liderada pelo FMI, com contribuições dos países que possuem superávits”, avalia Chris Turner, estrategista-chefe de câmbio do ING. “É uma estimativa, mas uma SPE com poder de compra entre 300 bilhões de euros e 500 bilhões de euros seria bem recebida pelos mercados.”
O Brasil também apoia a sugestão da França de realizar uma nova emissão de direitos especiais de saque (SDR, na sigla em inglês), a “cesta de moeda do FMI”, como foi feito em 2009, na operação de US$ 250 bilhões para fortalecer as reservas do fundo. O G-20 está discutindo ainda a ampliação do número de moedas que formam a cesta, hoje limitadas ao dólar, euro, libra e iene.
Os emergentes tiveram participação fundamental no reforço obtido pelo FMI a partir da cúpula de Londres, principalmente a China, que entrou com US$ 50 bilhões – o Brasil se comprometeu com US$ 14 bilhões, mas ainda não chegou a desembolsar nem US$ 10 bilhões porque não foi preciso.
A disposição dos emergentes de ajudar desta vez estaria condicionada às medidas europeias para a solução da crise. Acontece que o pacote de resgate veio vago e sem detalhes. Para complicar, o primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, anunciou a realização de um referendo sobre o novo acordo de ajuda financeira ao país, embolando totalmente o plano em andamento e abrindo incertezas adicionais sobre o futuro da união monetária.
Tanto que o presidente da França, Nicolas Sarkozy, na liderança do G-20, e a chanceler alemã, Angela Merkel, se reunirão hoje em Cannes, antes do início da cúpula, para tratar novamente de Grécia. “Se o G-20 não conseguir sucesso, será uma derrota pessoal para Sarkozy”, disse Richard Lambert, ex-presidente da Confederação da Indústria Britânica.