Líder isolada no setor de seguros para automóveis no País, a Porto Seguro já começou a se movimentar para ficar menos dependente dos veículos. Isso porque uma das principais tendências atuais da economia é o compartilhamento. Ou seja: as pessoas vão se preocupar menos em ser donas de seus carros – ou de qualquer outro bem – e focar mais no uso que farão deles. Isso pode significar que menos automóveis serão vendidos e, no fim das contas, o número de seguros também poderá diminuir.
Embora ninguém possa prever exatamente se a propriedade de veículos irá cair radicalmente, o fato é que as novas formas de consumo vieram para ficar. De acordo com o presidente da Porto Seguro, Fábio Luchetti, a empresa está acompanhando essas tendências e, por isso, busca a diversificação. O grupo, que fatura cerca de R$ 16 bilhões por ano, ainda tem 80% de sua receita concentrada em seguros, com participação massiva dos veículos – segmento em que as margens vêm ficando mais baixas.
Esse “aperto” foi refletido nos resultados da companhia do segundo trimestre, prejudicados pelo aumento nos roubos de veículos e pela crise econômica, que fizeram o lucro líquido do grupo cair 37% em relação ao mesmo período de 2015, para R$ 175 milhões. “O balanço do segundo trimestre foi ruim, tanto que a Porto reduziu a distribuição de dividendos”, explica o analista Eduardo Noshio, do banco Brasil Plural. “No terceiro trimestre, prevemos um aumento de preços e, consequentemente, ganho de margens.”
Enquanto ainda tem a vantagem da liderança e do posicionamento “premium” em veículos, a empresa está tentando crescer além dos seguros. Essa estratégia serve a dois objetivos: angariar novas receitas e também fidelizar os corretores, que geralmente trabalham com várias seguradoras, à marca.
Até agora, a operação alternativa mais desenvolvida é a de cartão de crédito, com 2 milhões de clientes. “No País, é a maior operação de cartões fora de um banco. Mostra a força da marca”, diz o analista do Brasil Plural. A Porto Conecta, operadora virtual da marca, que usa a rede da TIM, já tem cerca de 380 mil assinantes.
As operações complementares – que incluem empréstimos pessoais, consórcios, serviços para a casa e até plano de saúde para pets – também são usadas para fidelizar a clientela. Por meio de um programa de pontuação, a empresa garante descontos maiores a quem tem mais de um produto. Luchetti diz que, apesar de a taxa de renovação da Porto Seguro em veículos ser considerada alta – gira em torno de 80% -, o índice cresce entre consumidores que têm cartão de crédito e celular da marca. “No caso da Porto Conecta, a renovação vai a 97%.”
Inovação
Além dos produtos da área financeira, a Porto Seguro também está lançando, neste fim de ano, o sistema Carro Fácil, serviço de assinaturas de carros que funciona no mesmo modelo de um leasing. Nesse segmento, diz o presidente da Porto Seguro, o objetivo da empresa é se posicionar como uma clara opção para aqueles consumidores que já decidiram que não querem mais ser donos dos próprios carros.
Ao oferecer não só o seguro, mas também as revisões, a assistência e o automóvel em si para os clientes, a companhia continuará no caminho que adotou para crescer nas apólices de veículos: em vez de focar no preço mais baixo, vai se desdobrar para dar “mimos” ao consumidor. Se um veículo do Carro Fácil tiver algum problema, o locatário não terá de levá-lo até a oficina. Basta uma ligação, diz Luchetti, e a empresa irá à casa do cliente. O preço da assinatura do carro, no entanto, começará em R$ 1.370 por mês – e não inclui custos com combustível.
O investimento no serviço diferenciado foi o que garantiu a sobrevivência da marca Porto Seguro até aqui – por isso, segundo o presidente da Troiano Branding, Jaime Troiano, essa característica não pode ser abandonada. “Foram eles que começaram a trazer um lanchinho paras pessoas nos guinchos, quando vinham resgatar as pessoas que haviam batido o carro”, lembra o especialista. “É o tipo de cuidado que faz diferença para quem passou por uma situação de estresse. Tanto que, posteriormente, a concorrência passou a copiar.”
Os desafios da seguradora
1. Embora seja forte em automóveis, a companhia tem posição discreta em outros segmentos. “Eles têm sofrido com o seguro-saúde”, diz Eduardo Noshio, do Brasil Plural. Vender seguro de vida, por exemplo, é complicado – por isso, é mais fácil a Porto Seguro crescer com propostas mais simples, como a do cartão de crédito.
2. A venda pela internet não é uma prioridade para a Porto Seguro, que prefere o canal tradicional, que ainda responde por 95% de suas vendas. Fábio Luchetti diz que o mercado online canibalizou a receita do mercado do Reino Unido.
3. Embora abrace negócios inovadores – tem até a própria incubadora de startups, a Oxigênio -, Luchetti diz que a Porto evita ficar “ansiosa” com as novas tendências a ponto de perder o foco em seu atual ganha-pão (no caso, o seguro de automóveis).
Presidente da seguradora iniciou na empresa como office-boy
Presidente da Porto Seguro desde que o acionista Jayme Garfinkel deixou o cargo, Fábio Luchetti, de 50 anos, é hoje caso raro no atual mercado brasileiro: é um exemplo de executivo que passou toda a vida em uma só companhia.
O paulistano começou a trabalhar na companhia com 18 anos, após preencher uma ficha para o cargo office-boy. No entanto, ele já circulava pelos corredores da Porto Seguro quando ainda era adolescente.
Depois de passar um tempo etiquetando preços de remédios usando as clássicas maquininhas de remarcação de preços da época da hiperinflação, Fábio, aos 16 anos, começou a ajudar um tio-avô, que era corretor de seguros e havia auxiliado a família durante um período de dificuldades, em que o pai de Fábio sofrera um acidente. “Em um dia que fui à Porto Seguro, pedi para preencher a ficha. E acabei contratado.”
Em mais de 30 anos de empresa – ele ingressou em 1984 -, Fábio viu a Porto Seguro se “virar” para evoluir em meio aos mais diferentes estágios da economia brasileira. Nos anos 1980, quando muita gente desistia do seguro por causa do alto preço, a empresa abraçou um “jeitinho” tipicamente brasileiro: o cheque pré-datado.
Embora informal, o parcelamento “na confiança” era necessário. Primeiro porque, se os clientes fossem obrigados a pagar à vista, o mercado iria encolher; segundo, porque quase ninguém tinha cartão de crédito no Brasil na época. Resultado: “A Porto Seguro tinha um andar inteiro dedicado a processar esses cheques – e a cobrar os que eram devolvidos.”
Marketing. Ao longo dos últimos 32 anos, Fábio passou por diversos cargos na Porto Seguro, da área de finanças à de marketing. Nesta última, aprendeu que muitas vezes o “pulo do gato” pode estar em soluções simples.
No caso da Porto Seguro, um desses casos de sucesso foi a decisão da empresa de importar, no fim dos anos 1980, lanternas de freio para o vidro traseiro dos veículos – um item de segurança que, na época, ainda não era obrigatório pela legislação brasileira.
De repente, as lanternas caíram no gosto do consumidor e viraram um acessório que dava um certo “status” ao carro. “As pessoas renovavam o seguro só para ganhar a lanterna”, lembra Fábio. Para a empresa, foi um caso de ganho triplo: o produto era barato, trazia clientes e, ainda por cima, reduzia as colisões traseiras.
A preocupação com a imagem foi outra lição deixada por Garfinkel. É por isso que a empresa tem quase uma obsessão em representar sua marca sempre que possível – seja na porta dos guinchos, na fachada das oficinas ou até em espaços culturais próprios.
“A experiência de marca é vital. É por isso que, durante muito tempo, acumulei as funções de presidente e também a área de marketing. A gente cresce no boca a boca”, diz Fábio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.