Uma empresa do Rio Grande do Sul foi obrigada, nesta semana, a reintegrar um funcionário e ainda pagar todos os salários e direitos desde a sua demissão arbitrária. Tudo aconteceu porque o empregado tem o vírus HIV. A decisão ocorreu nesta semana, na primeira turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), sob relatoria do ministro Lelio Bentes. A determinação ocorreu com base na Recomendação 200 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata especificamente sobre HIV e Aids nas relações de trabalho.
A recomendação foi lançada há um ano e tornou-se tema de um seminário promovido nesta sexta-feira (1º), em Curitiba, pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Ematra) em conjunto com a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
Hugo Cavalcanti Filho, ex-presidente da Anamatra e da Associação dos Juízes do Trabalho Latino-americanos, explica que ainda é difícil avaliar os resultados práticos da recomendação pelo pouco tempo, mas houve evolução no enfrentamento da questão. Ele lembra que um dos primeiros casos na Justiça sobre demissão por conta do vírus HIV aconteceu em 1985, em Pernambuco. Um homem foi demitido de uma companhia aérea por ter o vírus e perdeu em todas as instâncias. Na época, não foi levado em consideração o preconceito. Apenas o direito da empresa em demitir um funcionário. “Nestes quase 30 anos nós evoluímos muito, e não só quanto a Aids, mas com a discriminação em geral. Neste momento há decisões muito bem consolidadas, reiteradas. A própria jurisprudência foi cristalizando o direito de reintegração ao trabalho ou indenização nestes casos”, afirma.
Para ele, mesmo com as recentes decisões judiciais e a recomendação da OIT, ainda há muito preconceito no trabalho. As empresas argumentam que o portador do vírus HIV ou o aidético tem muitas faltas no trabalho em função dos tratamentos de saúde. Ou ainda que a condição de trabalho da pessoa está deteriorada e por isto ela não pode exercer tal função. “Nenhum destes argumentos podem ser considerados. Deve haver a adequação do serviço e novas funções compatíveis (para o portador do vírus). Sobre os afastamentos, eles devem ser tratados como qualquer outro trabalhador (até 15 dias com atestado médico e depois afastamento pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS)”, conta Cavalcanti Filho.
As empresas também não podem exigir de seus funcionários ou de candidatos a uma vaga exame de HIV. “Mas isto ainda ocorre, mesmo com a legislação e a vigilância”, assegura Ana Lucia Monteiro, especialista em Aids e HIV do escritório da OIT no Brasil. “O HIV não é fator de exclusão do trabalho. Ser portador não impede a sua continuação. O trabalho também é muito importante para o acesso ao tratamento. Por mais que o Estado dê o tratamento, a pessoa não vai ter condições de pegar o ônibus sem dinheiro, por exemplo”, comenta.
De acordo com Ana Lucia, um dos pilares da Recomendação 200 da OIT é a não discriminação em todos os tipos de trabalho, em todos os setores, incluindo os profissionais do sexo e as Forças Armadas.
Moisés Toniolo, coordenador de Direitos Humanos da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids – núcleo Bahia -, entrou no movimento social depois de sofrer preconceito no trabalho. Ele, policial militar, teve que se aposentar compulsoriamente há quase 10 anos em virtude da Aids. A lei determinava a aposentadoria para todos os portadores de doenças crônicas. “Foi o caminho que eu encontrei, pois não estou dando a contrapartida, mesmo recebendo uma aposentadoria com dinheiro público. Uma aposentadoria que eu não pedi. No início achava que eles estavam me ajudando. O maior problema ainda continua sendo saber para quem recorrer, para quem encaminhar a denúncia de preconceito no trabalho”, relata Toniolo.