Pequena empresa vira motor de emprego

A nova relação de emprego desnuda-se no instante em que a Organização Mundial do Trabalho (OIT) divulga pesquisa com dados estarrecedores. Atualmente, o planeta abriga cerca de 180 milhões de desempregados – número que equivale a 6,5% da população economicamente ativa. A OIT calcula que um bilhão de novos postos de trabalho terão de ser criados nesta década, com objetivo de reduzir pela metade o número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Diante deste quadro caótico, as empresas procuram maneiras inovadoras de se adaptar e sobreviver em meio à crise. A mudança de perfil suscitou uma reestruturação que otimizou processos, cortou custos, reduziu quadro de funcionários e estimulou a produção.

Um amigo ocupava cargo dos sonhos de qualquer profissional: ele era o principal executivo do setor de comércio exterior de uma empresa nacional. Cargo glamouroso, salário excelente, bônus semestral, benefícios polpudos, carro do ano e a percepção de que aquilo perduraria para sempre. A vida ia de vento em popa quando a organização decidiu exterminar o departamento para entregar a operação a uma consultoria especializada. A recolocação profissional deu-se como gerente numa companhia de pequeno porte. Cargo sem glamour, salário honesto, bônus reduzido, benefícios básicos, sem carro e a convivência diária com o fator de risco. O padrão de vida diminuiu, é verdade, mas não percebi nenhuma insatisfação ou amargura em suas palavras. Pelo contrário, ouvi dele algo que ficou registrado na minha mente. “Ganhei a chance de desenvolver projetos próprios e encampar desafios que andavam perdidos e estagnados. Conquistei a carreira de volta.”

Esta situação tem acontecido, com certa freqüência, nos últimos tempos. A desaceleração global provocou profunda, radical e significativa revolução no mercado de trabalho. As dificuldades, porém, levaram pessoas a admitir outros rumos e perspectivas na carreira. Diante da economia retraída, os investimentos minguaram, engavetaram-se planos de expansão e muita gente perdeu o emprego. Essa reviravolta, no entanto, descortinou oportunidades inovadoras em diversas frentes. Foi um período em que o empreendedorismo ganhou músculos e expandiu seus tentáculos para vários setores. Assim, a geração de empregos ficou sob a responsabilidade das pequenas organizações, aquelas que possuem menos de 100 funcionários. Segundo estudo do BNDES, de 1995 a 2000, as companhias desse porte criaram 1,9 milhão de novos postos de trabalho, enquanto as médias e grandes abriram 88.100 vagas.

Certamente, o componente econômico acelerou a migração do emprego. Como as grandes e médias apressaram o ritmo de dispensa e aperfeiçoaram os PDVs (Plano de Demissão Voluntária), os funcionários foram obrigados a prospectar outras áreas. Muitos deles tornaram-se consultores, montaram o próprio negócio ou foram se abrigar em empresas de menor porte. Diante do fenômeno da terceirização de serviços, as corporações impulsionaram, de certa maneira, a proliferação das companhias nanicas. Várias delas treinaram boa parte dos ex-empregados para ser os próprios prestadores dos serviços terceirizados.

Tocar o próprio negócio ou ocupar cargos em companhias menores tem suas vantagens. Como frisou meu amigo, é melhor ostentar a posição de craque de time modesto do que ser apenas mais um em meio à constelação de estrelas. Não há conformismo, muito menos comodismo nessa declaração. A possibilidade de estar à frente do projeto, depois de idealizá-lo e implementá-lo, é oportunidade única de despertar envolvimento, dinamismo, responsabilidade e, conseqüentemente, prazer na execução das atribuições diárias. A inovação se transforma no bálsamo da criatividade, ou seja: as pessoas tornam-se mais felizes e, por causa disso, mais realizadas e motivadas. Essa característica é um dos maiores trunfos na atração de talentos.

E esta atração gera retenção, principalmente porque essas pessoas que conviveram em grandes organizações importam o padrão de qualidade para as pequenas. Esses talentos experientes possuem a “expertize” para fazer a transferência natural de conhecimento. Isso desemboca em treinamento e um diferencial para quem está chegando ao mercado de trabalho. Embora haja riscos e dificuldades a serem vencidos, essas empresas constituem-se numa ótima oportunidade de carreira para quem tem desejo de estabelecer-se, mesmo que longe do glamour. Não importa: seja por vocação ou necessidade, o brasileiro consegue se adaptar às condições adversas para produzir e gerar riquezas, mesmo em tempos incertos e turbulentos.

Júlio Sérgio de Souza Cardozo

é presidente da Ernst & Young Auditores Independentes S.C.

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