Rio – A crise mundial da Parmalat, que fez quebrar sua subsidiária no Brasil, desencadeará uma onda de novos escândalos financeiros na Europa. É o que diz a contadora argentina Marta Andreasen, que desde 2002 está suspensa do cargo de auditora-chefe da Comissão Européia (CE) por fazer alertas sobre a possibilidade de fraudes bilionárias no organismo. Segundo ela, não adianta existirem rígidas regras de fiscalização e controle contábil se não existir ética profissional por parte dos executivos responsáveis pelas empresas. De Barcelona, onde vive, Marta diz que subsidiárias instaladas em países periféricos inevitavelmente vão sofrer com os problemas em suas matrizes.

Seria a crise da Parmalat apenas o começo de uma série de escândalos financeiros na Europa, como ocorreu nos EUA depois da quebra da Enron, em 2001?

Marta Andreasen: Penso que sim. O problema da falta de respeito com a integridade contábil e financeira começou a tomar importância nos últimos anos. Haverá outros casos. Agora mesmo vemos o caso da Adecco (maior empresa mundial de recrutamento de trabalhadores temporários, sediada na Suíça), que está chamando a atenção para erros em sua área contábil.

As regras contábeis européias não seriam brandas?

Marta: As regras de controle e contabilidade que existem há séculos são adequadas. O problema é não respeitá-las adequadamente. Por mais normas que você tenha, não terá uma atividade administrativa e financeira honesta e clara se não respeitá-las. O problema está na responsabilidade dos que estão nos cargos importantes, os diretores-gerais e financeiros. Os diretores financeiros sabem muito bem quais são os princípios que devem respeitar. Se agirem contra esses princípios, é porque não respeitam a ética profissional. E este é um problema que continuará existindo, ainda que os controles sejam melhorados.

Que países europeus estão menos vulneráveis?

Marta: Os anglo-saxões e os do Norte da Europa estão tratando de concentrar muito mais responsabilidades nos contadores e nos auditores. Isso está provocando uma certa intranqüilidade entre esses profissionais, porque nos últimos 20 anos a profissão de contador e auditor foi muito pouco respeitada.

E quanto ao fato de as empresas de consultoria e auditoria também poderem estar envolvidas nas fraudes?

Marta: Se uma empresa está atuando de maneira irregular e seus funcionários faltam à ética profissional e ninguém denuncia nada, o único jeito de se detectar fraudes é por meio de um organismo independente, que revise as contas. Até agora, os independentes têm sido as empresas de consultoria. Mas elas são remuneradas pelas próprias empresas, e portanto sua independência fica em suspenso.

A Comissão Européia pensa em mudanças nessa área?

Marta: A CE dita políticas para empresas privadas na Europa. Nesse sentido, há anos que está tratando de desenvolver normas de controle mais específicas, mas nada está muito definitivo. Também diz que vai reformar as normas contábeis até 2005, mas não há nada publicado ainda. Quanto à sua administração interna, não aplica o que diz que vai aplicar aos outros…

A crise da Parmalat mundial quebrou sua subsidiária brasileira. Como evitar que empresas e subsidiárias instaladas em países periféricos não sofram com as fraudes nas suas matrizes?

Marta: É um processo inevitável porque, se existe um problema na matriz, seja nos EUA ou na Europa, as conseqüências caem nos países em desenvolvimento. Mas aí voltam a contar a integridade e o profissionalismo dos executivos das filiais. De acordo com a ética, quem recebe fundos irregulares ou que não estejam claros deveria reagir e negar-se a aceitá-los, para não se comprometer com esse tipo de irregularidade.

Que mercados estariam mais propensos a fraudes?

Marta: É difícil dizer, mas cito o mercado de tecnologia e de telecomunicações, que criou um negócio bastante novo, que evolui dia a dia, e não ano a ano, como ocorre tradicionalmente. Criou-se uma série de situações onde as regras de controle não são tão claras. Isso dá espaço para o que se chama de contabilidade criativa, que é quando os contadores decidem por si o critério que vão utilizar. Faz falta, principalmente para o setor de tecnologia, uma definição mais clara dos critérios e das normas contábeis, para que os responsáveis financeiros soubessem onde estão agindo.

Haverá mais escândalos corporativos nos EUA?

Marta: Os escândalos continuam, mas não na mesma proporção dos casos Enron e WorldCom, que foram os primeiros e, por isso, tiveram mais impacto. Agora há casos menores. E há problemas de empresas na Europa com matriz ou filiais importantes nos EUA, que estão provocando problemas lá. É o caso da Adecco. Isto mostra que problemas surgidos na Europa podem ter impacto nos EUA. É por isso que os americanos têm tentado impor as normas da SEC (Securities and Exchange Commission, o órgão regulador do mercado financeiro americano) a empresas que controlam filiais nos EUA. Ou seja, os americanos dizem que as subsidiárias naquele país devem ser avaliadas pelos mesmos parâmetros e normas de controle que existem nos EUA. Há muita resistência dos europeus em relação a isso.

Como a evolução da tecnologia abriu espaço para fraudes nas corporações?

Marta: A tecnologia da informação permitiu uma agilização de tarefas que eliminou passos antes usados para manter o controle contábil. A comunicação ficou mais rápida, e os passos que se dava tradicionalmente foram eliminados para agilizar o processo. Mas esses passos significavam uma série de controles, que acabaram eliminados.

Parece difícil ser otimista.

Marta: É difícil porque, por mais que se afinem as normas de controle, elas sempre estarão ligadas à ética profissional de quem exerce as maiores responsabilidades. E se essas pessoas carecem de ética, é difícil que qualquer norma possa ajudar.

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