Paraná ainda vulnerável à aftosa

Um dado divulgado esta semana pelo governo do Estado, na prestação de contas do segundo quadrimestre, chamou a atenção: dos R$ 6,619 milhões previstos para a defesa sanitária animal em 2007, apenas 0,1% – o correspondente a R$ 6.655,00 – foi efetivamente aplicado e liquidado entre janeiro e agosto deste ano. Os números impressionam principalmente porque há exatos dois anos foi declarada suspeita de focos de febre aftosa no Estado; desde então, as portas do mercado externo se fecharam e houve um acúmulo de prejuízos.  

Os dados fazem parte do balancete de responsabilidade fiscal elaborado pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), apresentado esta semana na Assembléia Legislativa e que está disponível no site www.gestaodinheiropublico.pr.gov.br. A Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab) não reconhece, porém, os números. ?Tem alguma coisa errada nesses valores. Só na primeira campanha de vacinação contra a aftosa, mobilizamos todos os técnicos em todo o Estado e isso envolveu recursos consideráveis?, apontou o secretário da Agricultura e Abastecimento, Valter Bianchini.

De acordo com Silmar Bürer, diretor do Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária (Defis), historicamente o Paraná aplica cerca de R$ 24 milhões por ano em controle sanitário animal. Segundo ele, são cerca de R$ 1,2 milhão a R$ 1,3 milhão mensais em despesas com salários de técnicos, combustíveis, manutenção de frota, insumos e equipamentos para laboratórios. Além desses recursos, o Estado vai receber este ano mais R$ 5 milhões através de convênio com o governo federal. Segundo Bürer, esses recursos serão destinados para a compra de vinte veículos e materiais de apoio às unidades de campo, como botas, equipamentos de proteção e mobiliário. ?O valor vai ser aplicado fundamentalmente em investimentos?, apontou.

Para o secretário Valter Bianchini, a seleção de 251 pessoas, entre médicos veterinários e técnicos de nível médio, deve reforçar o controle sanitário do Paraná. ?O risco de surgirem novos focos de aftosa sempre existe, mas dependendo da prevenção, pode ser amenizado?, afirmou o secretário, acrescentando que o assunto é prioridade tanto no governo estadual como federal.

Limite orçamentário

Para o economista Gustavo Fanaya, do Sindicato da Indústria de Carnes no Paraná (Sindicarnes-PR), os investimentos para a defesa sanitária animal estão sendo feitos, mas a médio e longo prazos o volume não é suficiente. ?Os produtores estão fazendo a sua parte, mas existem ações que só o Estado pode executar. A questão é que existe um limite orçamentário tanto em nível estadual como federal?, comentou Fanaya.

Para ele, o Paraná continua tão vulnerável a novos focos de febre aftosa como dois anos atrás e vulnerável como o Mato Grosso do Sul. ?O problema é que não podemos impedir a entrada de animais de estados que possuem o mesmo status que o nosso (livre de aftosa com vacinação). A questão é que houve falha em outro estado (Mato Grosso do Sul) e não pudemos fazer nada?, apontou.

Para eliminar risco de nova suspeita, Fanaya defende que o Paraná atinja o status de livre de aftosa sem vacinação – status obtido até agora apenas por Santa Catarina. ?São Paulo e Minas Gerais já disseram que vão traçar estratégia para isso. Temos que nos preparar também, mesmo porque os mercados consumidores estão se tornando cada vez mais exigentes?. No caso de Santa Catarina, o status demorou entre cinco e seis anos para ser conquistado. 

Prejuízos do Estado chegam a US$ 621 milhões

Foto: Ciciro Back

Gustavo Fanaya: ?Antes dos focos, exportações?.

Dois anos depois de o Paraná ter sido declarado como suspeita de focos de febre aftosa, 52 países ainda se recusam a comprar carne produzida localmente. Com isso, o Estado deixou de vender US$ 621 milhões – cerca de R$ 1,242 bilhão – segundo informações do Sindicato da Indústria de Carnes no Paraná (Sindicarne-PR). Desse montante, 55% se refere à carne suína, 25% à carne bovina e 20% a aves.

De acordo com o economista Gustavo Fanaya, do Sindicarnes-PR, desde que surgiu a suspeita apenas quatro países voltaram a comprar efetivamente do Paraná: Egito, Colômbia, Angola e Moçambique. Todos os demais aguardam posição da Organização Internacional de Epizootias (OIE) para reabrir as portas para a carne paranaense. Em volume, o Estado deixou de exportar cerca de 343 mil toneladas de carne, entre bovina, suína e de frango.

?Antes dos focos de aftosa, cerca de 20% da carne bovina do Paraná era exportada; caiu para 4%. No caso da carne suína era de 25% e agora 5%. A carne de frango foi a que menos sofreu redução, apenas a Rússia não compra mais?, apontou Fanaya, lembrando que a carne de frango sequer é suscetível ao vírus da febre aftosa.

Indenização

Para o produtor Alexandre Turquino, o prejuízo maior não foi o financeiro, mas o moral. Dono da fazenda Flor da Pedra, em Bela Vista do Paraíso, no norte do Estado, Turquino teve 83 animais sacrificados depois de o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ter declarado a propriedade como foco da doença. ?Perdemos genética de muitos anos, mas o maior prejuízo mesmo foi o moral. Tínhamos tradição na pecuária, sempre fizemos um trabalho correto dentro dos procedimentos do Mapa e, de repente, um vírus político causou tudo aquilo?, desabafou.

Turquino deve entrar com ação na Justiça contra o governo federal pedindo indenização, uma vez que o vírus da febre aftosa não foi isolado. Até agora, apenas André Carioba Filho, da Fazenda Cachoeira, em São Sebastião da Amoreira, também no norte do Paraná – declarado como primeiro foco da doença – entrou com ação contra o governo federal. Na época, 1.810 animais da propriedade foram mortos. A decisão da Justiça ainda não saiu.

O aspecto positivo é que a categoria saiu mais fortalecida depois do episódio. Há um ano, surgiu a Associação Nacional de Produtores de Bovinos de Corte (ANPBC) com o objetivo de proteger e unir a classe. Hoje conta com 128 sócios – produtores do Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás. ?Tivemos que ?sair da porteira?, contratar advogado, entrar na Justiça. Criamos uma associação para nos proteger. Não dá para calcular o prejuízo disso tudo?, arrematou. (LS)

Retomada das exportações  depende da OIE

Sem data marcada. Por enquanto, é este o cenário sobre a retomada das exportações de carne pelo Paraná. Para Gustavo Fanaya, do Sindicarnes-PR, em uma previsão bastante otimista o Estado voltaria a vender para o mercado externo ainda em dezembro próximo ou janeiro de 2008.

?Isso na melhor das hipóteses, ou seja, se as comissões da OIE e da União Européia que vêm ao Brasil na virada desse mês entenderem que foram supridas todas as exigências mínimas?, observou.

?Mas se as comissões encontrarem falhas graves, como falta de controle na fronteira, problemas na rastreabilidade, na documentação, é impossível saber quando voltam as exportações?, completou.

Fanaya lembrou que o Paraná tomou todas as providências quando surgiu a suspeita da doença. Porém, como o Estado faz parte do circuito pecuário que inclui o Mato Grosso do Sul, acabou sendo penalizado. ?O Mato Grosso do Sul é o nosso ?calcanhar-de-aquiles?. Há pressão para que o Paraná se diferencie, mas o governo federal não pode privilegiar um estado em detrimento de outro. Se deixasse o Mato Grosso do Sul para trás, iria levar dez anos para ele reconquistar o status?, apontou Fanaya, acrescentando que, estrategicamente, para o Brasil é mais importante que os dois estados retomem juntos as exportações. (LS)

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