Foto: Arquivo/O Estado |
6.781 animais foram abatidos em sete fazendas de cinco municípios. continua após a publicidade |
Um ano já se passou desde que o então secretário estadual de Agricultura e Abastecimento, Orlando Pessuti, reuniu a imprensa para anunciar o que mais se temia: a suspeita de focos da febre aftosa no Paraná. Aquela sexta-feira, dia 21 de outubro, entrou de vez para a história da agropecuária. Não demorou muito e o estado viu praticamente todas as portas comerciais do setor se fecharem.
Hoje, um ano depois, o que se vê é que a febre aftosa deixou marcas e prejuízos irreversíveis. E pior: o estado continua tão vulnerável à doença como um ano atrás. A boa notícia é que o Paraná foi oficialmente declarado livre de aftosa pelo Ministério da Agricultura, na última quinta-feira, e caminha para recuperar o status de livre de aftosa com vacinação pela Organização Internacional de Epizootias (OIE). A expectativa, com isso, é que o Paraná volte a exportar carne a partir de janeiro de 2007.
?O ministro (Luís Carlos Guedes, da Agricultura) prometeu que vai encaminhar à OIE, em Paris, daqui a duas semanas, a documentação com todas as medidas que foram tomadas no Paraná?, afirmou o secretário estadual de Agricultura e Abastecimento, Newton Pohl Ribas. ?O comitê técnico da OIE é extremamente profissional. Ele vai avaliar, vai julgar, e a partir de janeiro de 2007 o Paraná vai voltar a exportar?, acredita o secretário. Não é sem tempo. Desde outubro do ano passado, o Paraná deixou de exportar cerca de 162 mil toneladas de carne bovina, suína e avícola para 56 países. Em valores, segundo levantamento do Sindicato da Indústria de Carne no Paraná (Sindicarne-PR), os prejuízos acumulados somam US$ 162 milhões no caso da carne suína, US$ 75 milhões na carne bovina e US$ 57 milhões em carne avícola, totalizando US$ 294 milhões. No câmbio atual, cerca de R$ 630 milhões.
?A gente imaginava que toda essa situação deixaria o governo federal mais sensível aos problemas do setor. Entretanto, a porteira de entrada do vírus da aftosa continua escancarada?, disparou o assessor econômico do Sindicarne-PR, Gustavo Fanaya. ?Vamos continuar contando com a sorte?, lamentou ele, referindo-se aos baixos recursos destinados à defesa agropecuária, principalmente na área de fronteira.
A suspeita de febre aftosa também impactou no número de abates: eram cerca de 130 mil animais ao mês antes de outubro, caiu para 105 mil no final do ano passado e este ano a média é de 110 mil – redução de quase 15% na comparação com o período anterior ao dos focos da doença.
Recuperação
A boa notícia é que o preço da arroba do boi gordo vem se recuperando: há um ano custava R$ 56,00, em média; despencou para R$ 45,00 em março (quando mais de 6,7 mil animais foram abatidos no estado, por suspeita da doença) e hoje está em torno de R$ 60,00. ?É um valor extremamente positivo, frente ao problema que surgiu?, afirmou Fanaya. A recuperação no preço, acredita, se deve ao momento favorável dos seis meses após o sacrifício e à elevação do preço da carne de frango. ?O produtor pensa que é só dar o prazo de seis meses que o Paraná vai voltar a exportar e o mercado melhorar. Esse otimismo acaba refletindo no preço?, explicou.
Também nos frigoríficos, as demissões em massa não ocorreram. ?O prejuízo em termos de emprego não foram tão grandes quanto se imaginava. Houve reacomodação. Uma das plantas exportadoras, o frigorífico Margem, em Paiçandu, foi inclusive adquirida por uma empresa do Rio Grande do Sul?, apontou.
Final do processo
Para o consultor de pecuária da Federação da Agricultura no Estado do Paraná (Faep), Alexandre Jacewicz, o processo já está em sua etapa final. ?Depois de todos os acontecimentos, de decretados os focos no Paraná, sacrifícios, chegamos ao final do processo. Agora vem a luta para provar à OIE que os resultados deram todos negativos, que foram tomadas todas as medidas sanitárias e que podemos voltar ao status anterior?, afirmou Jacewicz.
Sobre o prazo em que o Paraná deve retomar as exportações de carne, o consultor prefere não comentar. ?Não arrisco nada. Um bom número de países aproveita a situação para impor obstáculos, reduzir preços, ter lucro. A Rússia disse que não vai importar carne suína de Goiás, sendo que no estado não houve qualquer suspeita da doença. Por quê??, questionou. ?Por isso é importante que esteja tudo devidamente registrado, de forma bem transparente para não deixar dúvidas, para reconquistarmos a nossa credibilidade.? A próxima meta, segundo Jacewicz, é retirar a vacinação para que o Paraná alcance o topo: o status de livre de aftosa sem vacinação.
Mais verba para defesa agropecuária
O governo federal vai destinar R$ 195 milhões para a defesa agropecuária em 2007 – contra R$ 130 milhões este ano. Além disso, o Ministério da Agricultura deve publicar, em breve, edital de concurso para contratação de mais fiscais agropecuários – serão abertas 390 vagas, das quais 320 especificamente para a Secretaria de Defesa Agropecuária. As informações são do secretário nacional de Defesa Agropecuária, Gabriel Alves Maciel.
Ele reconhece que a contratação de mais 390 pessoas não é suficiente para prevenir um possível repique da doença. ?Hoje temos no país cerca de 7 mil fiscais. Há associações que dizem que o ideal seria contratar mais 3 mil, mas é difícil. Todo mundo quer muita gente?, afirmou. Segundo o secretário, os futuros fiscais vão ocupar espaço em gargalos como laboratórios e frigoríficos.
Sobre o risco de o Paraná voltar a registrar a doença, o secretário disse que não há como evitar. ?Estamos tomando todas as precauções, mas como se trata de um evento biológico, qualquer país do mundo pode apresentar?, afirmou. Mas salientou: ?Estamos aumentando o sistema de vigilância, trabalhando não só com o Brasil, mas no plano regional, com os países vizinhos. Já destinamos, por exemplo, 2 milhões de vacinas contra a aftosa para a Bolívia, na área de fronteira. Tudo isso porque o perigo maior é de fato para o Brasil?.
O secretário lembrou ainda que o governo federal vem investindo em uma estrutura de monitoramento via satélite nas regiões de fronteira. ?Na fronteira do Acre, Mato Grosso e Rondônia com a Bolívia e o Paraguai, toda a estrutura já está instalada. No Paraná e Mato Grosso do Sul, a proposta está sendo feita em conjunto com a Embrapa, e a idéia é instalar ainda este ano.? O investimento na estrutura de monitoramento, segundo o secretário, é de R$ 3,5 milhões.
Defis
Em nível estadual, o Departamento de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Defis) investe cerca de R$ 24 milhões por ano, segundo o secretário estadual de Agricultura e Abastecimento, Newton Pohl Ribas. ?O Paraná tem um dos melhores serviços de defesa sanitária do país. Além de toda a estrutura, temos a Claspar, que nos ajuda no trabalho de barreira de fronteira?, apontou o secretário, lembrando que a gestão atual herdou uma frota ?com 85% dos veículos com mais de 200 mil km rodados?. ?A gente vem fazendo um investimento forte desde 2003?, declarou.
Questionado se o Paraná está menos vulnerável à aftosa do que um ano atrás, Ribas foi taxativo. ?Como menos vulnerável, se a fronteira com o Paraguai continua aberta??, apontou, evitando, porém, tecer críticas ao governo federal.
Produtores lamentam a doença virtual
Poucos sentiram tão fortemente o impacto da febre aftosa no Paraná como os pecuaristas das sete propriedades declaradas como focos da doença pelo Ministério da Agricultura. ?Foi um absurdo o que ocorreu, um crime abater animais sadios?, desabafou Alexandre Turquino, filho do dono da Fazenda Flor do Café, em Bela Vista do Paraíso, onde 84 animais foram sacrificados no início de março.
Para Turquino, não há dúvidas: não houve febre aftosa no Paraná. ?A pergunta é: qual vírus circulou no Paraná, qual foi isolado? Nenhum. A aftosa foi virtual?, apontou. Para ele, o governo federal foi o grande culpado. ?Houve precipitação. Não se declara uma suspeita antes de haver a confirmação. A gente não estava preparado para aquilo.? Turquino não sabe, porém, se entrará na Justiça para pedir o ressarcimento dos prejuízos.
Quem não tem dúvidas de que vai pedir a reparação de danos é o pecuarista André Carioba, dono da Fazenda Cachoeira, em São Sebastião da Amoreira, onde 1.810 animais foram mortos. ?Por um erro, ficamos oito meses parados, sem poder comprar nem vender?, apontou. Nesse período, segundo ele, cerca de 8 mil cabeças de gado deixaram de ser engordadas. A fazenda só retomou as atividades em julho. Carioba disse que, como ficou muito tempo fora do mercado, perdeu espaço e agora está tentando reconquistá-lo.
Entre os vários setores da cadeia produtiva, a pecuária leiteira foi uma das primeiras a sentir os efeitos da febre aftosa no Paraná. Tão logo foi anunciada a suspeita da doença, vários estados baixaram instruções normativas impedindo a entrada de leite in natura. De um dia para outro, o pool formado pelas cooperativas Batavia, Castrolanda e Wittmarsum, na região dos Campos Gerais, parou de enviar leite cru para São Paulo – estado que comprava 400 mil litros de leite, dos 600 mil produzidos diariamente. O resultado foram milhares de litros de leite jogados fora e um prejuízo de aproximadamente R$ 1,3 milhão. ?Não perdemos mercado. Sofremos o efeito na hora, mas agora está tudo normalizado?, afirmou o coordenador da produção leiteira da cooperativa Castrolanda, Rogério Wolf.