Os jornais têm estampado nas chamadas de capa a preocupação com a possibilidade de vir a faltar cimento no momento de maior crescimento da construção civil. No aeroporto, as pessoas têm ido buscar parentes que regressam anos depois de terem partido em busca de emprego em outros países, especialmente na Espanha. Os investimentos não param de chegar da Europa, Ásia e, principalmente, do Brasil, que também tem enviado mão de obra para o outro lado da fronteira.
Que país é esse, que deve encerrar o ano com crescimento de 3,5%, na contramão do Brasil e da economia mundial, inflação abaixo do centro da meta, de 4,5%, controlada por uma taxa de juros de 5,75% ao ano? “É o Novo Paraguai”, responde o presidente do Banco Central (BCP), Carlos Fernándes Valdovinos, em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. Ele recebeu a reportagem no fim de outubro num restaurante de Assunção na noite que se seguiu ao término da 30ª Reunião de Presidentes de Bancos Centrais da América do Sul.
A inflação paraguaia acumulada em 12 meses até outubro está em 3,9%. As contas públicas do país, garantiu o presidente do BCP, estão em ordem. “Se registrarmos algum déficit nominal este ano, será em razão do elevadíssimo investimento em infraestrutura. Mesmo assim será algo muito perto de zero, proporcionalmente ao PIB”, disse. De acordo com Valdovinos, o BC e o governo paraguaio estão conscientes de que só a política monetária não estabiliza a economia e cria condições de expansão. “Tem que ter as duas políticas, a fiscal e a monetária, puxando para o mesmo lado. E aqui no Paraguai tem também uma lei de responsabilidade fiscal que estabelece uma regra para um déficit total máximo de 1,5% do PIB”, afirmou.
Amante do Brasil, em especial de Brasília e Curitiba – cidades em que morou e estudou depois de concluir a faculdade no seu país -, o banqueiro central lamenta o mau momento da economia do Brasil. Não fosse a crise que assola a economia brasileira, previu, o PIB paraguaio fecharia este ano com expansão de 4,8%, faixa de crescimento que se repetiu ao longo dos últimos dez anos. O segredo para o bom desempenho econômico num momento de crise global é ter um banco central ‘delivery”, que entrega o que promete e tenha credibilidade perante a sociedade, afirma Valdovinos. “É ter as contas públicas equilibradas e poder contar com a inestimável ajuda do governo no lado fiscal”, vangloriou-se.
O Paraguai é um país conservador do ponto de vista monetário. No dia 5 de outubro o BCP comemorou 72 anos com a mesma moeda. O país nunca teve que tirar zeros do guarani. “A gente também adotou o regime de metas inflacionárias em 2011 e pelo quinto ano seguido vamos entregar a inflação pouco abaixo do objetivo.”
Valdovinos disse ter cuidado com o sistema de meta de inflação porque ele tem muitas vantagens, mas para isso é preciso o BC entregar o que promete. “As expectativas de inflação estão muito bem ancoradas mesmo com a depreciação da moeda local, como aconteceu em outros países da região. Aqui, a desvalorização ficou perto de 28% desde julho de 2014. Mas isso não transpassou para as expectativas dos agentes porque o BC tem credibilidade”, afirmou.
Velha imagem
O banqueiro central paraguaio se orgulha ao dizer que a imagem de seu país está mudando. “Morei muitos anos no Brasil e me lembro de que as poucas notícias que saíam sobre o Paraguai na imprensa eram todas sobre violência, tráfico de drogas e armamentos”, disse. Mas os brasileiros, continuou, começaram a perceber que o Paraguai é mais que um comércio de fronteira.
“É um país que tem energia elétrica sobrando a um preço 50% mais baixo e uma tributação corporativa de 10%, Imposto de Valor Agregado (IVA) para o consumidor e tributação de 1% sobre as vendas para as empresas de ‘maquila’ (que importam peças e componentes para que os produtos sejam montados no Paraguai e depois exportados)”. De acordo com o presidente do BCP, seu país se tornou um “hub” de produção que oferece muitas vantagens competitivas e está atraindo investimentos, principalmente do Brasil.
“Deixamos de ser exportadores para nos transformar em importadores de mão de obra e capital”, disse, acrescentando que a taxa de desemprego no país está em 5% e tende a cair em resposta ao esforço do governo para gerar empregos especialmente no interior do país, onde existem 120 mil pessoas cadastradas nos programas de transferência de renda. “Entendemos que só se acaba com a pobreza gerando empregos. Bolsas ajudam no curto prazo, mas não podemos deixar as pessoas se tornarem dependentes de programas sociais”, ponderou.
Exportações
As exportações do Paraguai, baseadas nas empresas de ‘maquila’ (que importam peças e componentes para montar os produtos no país e depois exportá-los), devem crescer 18% neste ano em relação ao ano passado, quando já tinham subido 30% sobre 2013, disse o presidente do Banco Central do Paraguai.
De acordo com ele, tudo indica que as vendas para fora do país devem continuar crescendo enquanto o país oferecer vantagens aos investidores estrangeiros, especialmente aos brasileiros, para a produção. O que atrai as empresas da Ásia, Estados Unidos e Brasil para produzirem e exportarem a partir do Paraguai, diz Valdovinos, é a simplicidade da tributação e a grande oferta de energia elétrica barata. “Pode vir qualquer fábrica para cá que a gente tem energia sobrando”, disse. O governo paraguaio tem ainda buscado firmar acordos comerciais bilaterais com países de quase todo o mundo.
“Por sermos um país tão pequeno, é importante termos a maior quantidade possível de acordos”, explicou Valdovinos. O Paraguai tem a presidência pro tempore do Mercosul, lembra o banqueiro central, ressaltando que agora as relações com os países do bloco estão melhores. O objetivo do país durante a presidência temporária do Mercosul é a entrega à União Europeia da oferta para um acordo de livre comércio. “Acho que vai ser muito importante para o Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Acho que o Mercosul é importante para nós e é por isso que temos o regime de ‘maquila’ com empresas brasileiras vindo para cá”, disse.
Valdovinos é dos que defendem que não se pode olhar apenas para os erros do Mercosul e diz ver pontos positivos no bloco. “Temos que fazer alguma coisa para o bloco ficar maior por meio de acordos de livre comércio com outros blocos comerciais. Eu acho que um bom início é fazer acordo com a União Europeia. Depois vamos correr atrás dos países do Pacífico. Precisamos de acordos com países bem diferentes porque acordo de gente que faz a mesma coisa, como os países do Mercosul, não é tão bom”, argumentou.