O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas defende que as empreiteiras que firmaram acordos de leniência com procuradores da Operação Lava Jato terão de desembolsar mais do que já acertaram com o Ministério Público Federal (MPF), cerca de R$ 8,6 bilhões. “Aquilo que pagaram até o momento é só o aperitivo da refeição completa.” Relator do processo sobre corrupção nas obras da usina de Angra 3, Dantas negociou com o MPF uma solução para que as construtoras também cooperem com o TCU nas auditorias. Em entrevista, ele defendeu a criação de lei para que, em casos graves, o controle acionário das empresas implicadas em corrupção seja vendido. “Os acionistas têm de responder.”
O TCU, no caso de Angra 3, declarou quatro empreiteiras inidôneas e deu 60 dias para definir a situação de outras três, que fizeram acordo de leniência com o MPF. O que acontece agora?
O TCU dialogou bastante com a força-tarefa da Lava Jato. Alertei os procuradores para um aspecto: como o acordo celebrado por eles tinha por objetivo a coleta de elementos para a investigação criminal, faltava uma cláusula que versasse sobre a recuperação do dano e uma colaboração efetiva a ser dada pelas empresas no cálculo desse dano.
Haverá um recall (ou seja, uma nova leniência) das empresas?
Foi o combinado. Os procuradores farão uma nova rodada de conversa (com elas), apresentando essa visão do TCU.
De colaborar com a apuração do débito que elas próprias causaram…
Nos EUA, de onde importamos a delação premiada, o acordo é precedido de uma fase de self cleaning, ou seja, a empresa contrata uma auditoria independente para examinar todos os contratos com fraude. Essa auditoria tem como calcular o valor do dano. No Brasil, é algo absurdo, porque as empreiteiras desejam brincar de esconde-esconde com o Estado. Dizem: “Quero fazer um acordo de leniência, mas você descobre o quanto roubei”.
A que está sujeito quem não topar colaborar com o TCU?
Está sujeito às mesmas sanções que as outras empresas já receberam (proibição de participar de licitações). No caso de Angra 3, o TCU entendeu que houve fraude à licitação.
As empreiteiras têm dito que, se tiverem de pagar mais do que acordaram com o MPF, quebram.
Então estamos diante de uma confissão de insinceridade na leniência. O pressuposto é uma negociação sincera, a empresa chegar e dizer: “Desviei tanto e quero pagar”.
Entre a quebra da empresa e a restituição, o TCU fica com o quê?
Entendemos que uma empresa que colaborou não pode ficar em situação pior do que uma que não colaborou. A segunda premissa é que uma empresa quebrada significa o fracasso da tentativa de ressarcir os recursos. As empresas não podem considerar isso uma alforria, usar esse discurso como se fosse um argumento para aterrorizar. Se quebrarem, vamos cobrar dos acionistas.
Há regra que permite que o TCU busque patrimônio dos acionistas. As empresas vão ter de ressarcir mais?
Não tenho dúvida de que aquilo que elas pagaram até agora é só o aperitivo, porque os números que o TCU tem revelado são estratosféricos.
Quais são esses números?
Fizemos um estudo mostrando que, quando as empresas do “clube VIP” participavam de uma licitação na Petrobrás, o superfaturamento era, em média, de 17%. O TCU pode adotar dois critérios: um estimativo, conservador, e daria algo como R$ 29 bilhões só na Petrobras. Tem outra forma de calcular, a clássica, de pegar contrato por contrato. Isso pode chegar a algumas dezenas de bilhões de reais. Se houver contribuição das empresas, podemos usar o segundo método com mais rapidez. Caso contrário, talvez sejamos obrigados a aplicar o estudo.
E como fica o comando das empresas?
O que se poderia discutir é criar uma obrigação intermediária de alienação do controle. Não dá também para admitir que os acionistas controladores, que comandaram um esquema brutal de assalto aos cofres públicos, possam continuar à frente das empresas.
Qual é a credibilidade e a legitimidade do TCU, já que parte dos ministros é investigada por receber propina dessas empresas?
É importante que se diga que nenhum ministro do TCU responde à ação penal da Lava Jato. O que há são citações de delatores. Se os elementos fossem consistentes, já haveria denúncia. Diferentemente dos ministros, as empresas são corruptoras confessas. São situações bastante diferentes. A nossa legitimidade deriva da Constituição. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.