Pacote tenta amansar o mercado

O governo anunciou ontem uma série de medidas para acalmar o mercado financeiro: economizar mais, sacar US$ 10 bilhões do FMI – Fundo Monetário Internacional e recomprar mais títulos da dívida pública interna e externa. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, afirmou que o governo vai aumentar a meta de superávit primário do setor público consolidado (receita menos despesas, sem contar o pagamento de juros da dívida) de 3,5% para 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. O governo calcula que a nova meta corresponda a um superávit de R$ 48,7 bilhões, contra R$ 46 bilhões que representavam os 3,5%.

Brasília

(AG) – O ministro Pedro Malan acredita que, para 2003, o cumprimento da meta prevista na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), em tramitação no Congresso, também torna perfeitamente factível e recomendável o resultado da ordem de 3,75% do PIB. A meta anterior para 2003 era de 3,25%. Para atingir a meta de 3,75%, a equipe econômica vai liberar mais lentamente os recursos no valor de R$ 5,3 bilhões bloqueados há um mês no orçamento deste ano. O bloqueio foi feito para compensar o atraso na votação da prorrogação da cobrança da CPMF. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, a maior parte adicional de recursos para a nova meta deverá vir dos governos estaduais e municipais e empresa estatais.

“Nós seremos mais cautelosos no processo de desbloqueio dos recursos retidos há um mês. Não vemos necessidade de medidas adicionais na área federal, já que, pelo que temos visto do comportamento de estados, municípios e estatais, é possível esse adicional de superávit”, afirmou. Dos 5,3 bilhões bloqueados, R$ 3,9 bilhões foram retidos em razão da ameaça na arrecadação da CPMF e R$ 1,5 bilhão porque houve aumento de gastos com pessoal e crescimento do déficit projetado para a Previdência Social este ano. Segundo a equipe econômica, esse montante não pode ser desbloqueado porque o dinheiro já está comprometido.

Amaury Bier disse ainda que o compromisso de aumento do superávit no decorrer deste ano não precisa ser incluído na Lei de Diretrizes Orçamentária. Ele lembrou que a LDO fixa um superávit primário mínimo e que isso não quer dizer que não se possa fazer uma economia maior. Também não haverá alteração no acordo com o FMI. “Não haverá qualquer mudança nos critérios de desempenho acertados com o Fundo. De janeiro a setembro, teremos que fazer um superávit primário de R$ 34 bilhões, como já está previsto. O aumento do superávit primário para o final do ano é uma decisão nossa, apenas nossa”, explicou Bier.

Pedro Malan também confirmou que o Brasil vai exercer o direito de saques de US$ 10 bilhões do dinheiro disponibilizado pelo FMI. Desse montante, US$ 4,7 bilhões o país já tinha direito de sacar, mas terá que esperar a aprovação da diretoria do fundo para fazê-lo, juntamente com a nova parcela também de R$ 4,7 bilhões. “Isso significa uma adição às reservas”, disse. O ministro adiantou ainda que o FMI concordou com a redução do piso de reservas líquidas, hoje de US$ 20 bilhões, para US$ 15 bilhões. Essa alteração terá que ser confirmada na próxima semana na reunião de diretoria do FMI. “Vamos ter um espaço adicional de US$ 5 bilhões. Para se ter uma idéia, as reservas líquidas hoje estão na ordem de US$ 28,6 bilhões”, disse Malan.

O ministro da Fazenda ressaltou que o governo nunca fugiu e não fugirá de suas responsabilidades. “Vou insistir em que temos confiança no país e achamos que o processo eleitoral é um grande ganho, e se expressa como fazem nas democracias”, completou. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, afirmou que os fundamentos da economia brasileira não justificam a atual turbulência no mercado. Segundo ele, apesar disso, o BC tem munição para estabilizar o mercado e todas são ferramentas conhecidas. Citou os leilões de linha externa que podem voltar a ser feitos, assim como os leilões de LFT e recompra de títulos pelo Tesouro. “Não é preciso tirar coelho da cartola”, disse.

Armínio anunciou que o governo fará uma recompra de títulos brasileiros da dívida externa que vencem em 2003 e 2004. Com isso, segundo ele, o Brasil ganhará com o desconto que normalmente é dado nesse tipo de operação, além de transmitir maior tranqüilidade ao mercado internacional, já que esses papéis estão sendo negociados com uma taxa de juros muito alta pela falta de liqüidez. Fraga informou que o objeto dessas recompras são US$ 3,5 bilhões em títulos que vencem em 2003 e US$ 5,5 bilhões em títulos que vencem em 2004. O objetivo do governo, segundo ele, é comprar até US$ 3 bilhões nesses papéis prioritariamente. O presidente do BC reiterou que para o governo a operação é ‘bastante interessante’, já que a taxa de juros é vantajosa. “A meu ver, não existe um uso mais nobre para as reservas do que isso”, afirmou ele.

Dólar cai. Mas mercado quer dinheiro

São Paulo

(AG e agências) O dólar terminou o dia de ontem com a queda mais acentuada em quase nove meses, de 3,04%, após o anúncio de um pacote de medidas para tranqüilizar o mercado. Ainda assim, a moeda norte-americana manteve-se acima do nível de R$ 2,70 e operadores disseram que esperavam ações mais concretas do governo. Pela manhã, a expectativa de novas medidas do governo para conter as turbulências chegou a proporcionar um recuo de 5,15% da moeda norte-americana frente ao real. Mas, no final do pregão, a divisa fechou cotada a R$ 2,710 para a venda.

O governo bem que tentou. Mas o efeito do anúncio de medidas para aumentar a liquidez do mercado financeiro foi passageiro. Os investidores continuam receosos quanto à capacidade de rolagem da dívida interna, tema que não foi tratado pelo governo. O mercado quer ver a cor do dinheiro”, comentou Rodrigo Trotta, responsável pela área de câmbio do Banif/Primus. “Ele comprou a opção de que (o governo) voltaria a fazer aquelas vendas diárias… acho que o mercado esperava coisas mais concretas.”

A Bovespa, que registrava leve alta logo após o anúncio, também inverteu a tendência. O pregão viva-voz da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) terminou em queda de 1,14%, em 11.993 pontos e volume financeiro de 484,3 milhões. O motivo para o efeito passageiro foi que os investidores esperavam medidas mais enérgicas do Banco Central para tranqüilizar o mercado. O diretor da corretora NGO, Sidnei Moura Nehme, disse que a reação foi mesmo muito positiva no início, mas a crise de desconfiança, que ainda é forte, não deixou a moeda cair muito depois.

“Inicialmente, eu achava que o BC tinha poucas condições de tomar medidas mais concretas para aliviar a tensão, mas acabei me surpreendendo, como todo o mercado. A moeda despencou logo no início, mas depois o ritmo foi bem menor. A queda não foi tão forte no final do dia porque entre a prática e a ação existe grande diferença, ou seja, o mercado acaba digerindo mais lentamente medidas como as que foram anunciadas”, afirmou Nehme. Ele explicou que as crises de conflitos acontecem com rapidez, mas a reversão é muito mais demorada.

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