São Paulo
– das agências – A saraivada de medidas do Banco Central para tirar a sobra de dinheiro do mercado (veja box) freou, ontem, a escalada do dólar e levou a moeda a fechar a R$ 3,82 para venda e R$ 3,81 para compra, 4,26% mais barato do que o histórico fechamento de anteontem, a R$ 3,99. O risco Brasil, por sua vez, caiu 2,24% para 2.220 pontos.A bolsa de valores de São Paulo fechou esta sexta-feira com uma leve baixa de 0,1% em relação a quinta-feira, com seu principal indicador, o Bovespa, caindo a 8.854 pontos. Esse mesmo indicador registrou na quinta-feira umam alta de 1,73%.Entretanto, apesar da queda expressiva, essa cotação ainda está nove centavos acima da que a moeda tinha na última terça-feira – o que mostra que o BC pode ter inibido pelo mercado, mas os pontos de tensão que provocaram a disparada – transição presidencial, iminência de guerra no Iraque e vencimentos pesados da dívida pública até dezembro – persistem.
Segundo especialistas, as medidas do BC devem provocar um recuo modesto das cotações no início da próxima semana e evitar uma nova disparada do preço da moeda, mas é improvável que a tendência de alta se reverta antes da eleição, dia 27.
Ontem à tarde, conforme afirmaram operadores, a queda do dólar após o anúncio do BC – que em seu ápice chegou a 6,01%, com a moeda vendida a R$ 3,75 – só não foi maior porque havia poucos investidores no mercado. E também porque os mercados norte-americanos estarão fechados na próxima segunda-feira devido ao feriado do Descobrimento da América, o que leva os bancos internacionais a se cobrirem na sexta-feira para eventuais “surpresas” nos próximos três dias.
Entre essas surpresas aguardadas, estão as primeiras pesquisas de intenção de voto para o segundo turno da eleição presidencial divulgadas após o primeiro turno.
Após a moeda norte-americana superar anteontem a marca inédita dos R$ 4, o BC se viu obrigado a agir para conter a escalada do dólar, inflada pelas incertezas quanto ao cenário político e econômico após a transição presidencial, a iminência de guerra no Iraque que pressiona os mercados externos e os vencimentos sucessivos de dívidas do governo no último trimestre deste ano, que só em títulos cambiais chegam a US$ 12,8 bilhões.
O dólar já operava em baixa hoje com a venda de dólares no mercado à vista pelo BC logo no início da manhã e com a rolagem de US$ 501 milhões de uma dívida cambial de US$ 3,6 bilhões que vence no próximo dia 17, dos quais ainda restam 69% a alongar ou liquidar.
Menos dinheiro no mercado
O Banco Central anunciou ontem, uma série de medidas que entram em vigor na segunda-feira, para conter a escalada do dólar, que havia atingido a marca histórica de 4 reais na quinta-feira. Para conter a especulação no câmbio, o governo decidiu reduzir o montante de recursos em circulação no sistema financeiro, com o aumento do compulsório sobre depósitos à vista, a prazo e sobre a poupança. Com essa medida, o Banco Central estima que 14,2 bilhões de reais sairão de circulação.
Além disso, o BC limitou a quantidade de dólares que os bancos poderão carregar, forçando as instituições a se desfazer da moeda norte-americana. O limite de exposição cambial foi reduzido de 60 por cento para 30 por cento do patrimônio líquido total. A adequação aos novos limites deve ser feita até a próxima quarta-feira.
“Vale a pena enfatizar que o BC continua comprometido sempre com sua missão no seu campo de atribuições. Quanto mais se acalmarem as expectativas, menor será o custo para nossa sociedade reverter essa crise”, afirmou Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária do Banco Central, ao anunciar as medidas.
O aumento de 48% para 53% de recolhimento de compulsórios sobre depósitos à vista, vai retirar R$ 2,3 bilhões do mercado. Nos depósitos a prazo, os compulsórios serão alterados de 18% para 23%, o que representará um recolhimento de R$ 6,4 bilhões a mais pelo BC. Já nos depósitos em poupança, este percentual passará de 25% para 30%, o que vai representar uma retirada de R$ 5,5 bilhões de circulação.
Com as medidas, o governo acredita que vai retirar um pouco mais do poder de fogo dos bancos na compra de dólares, produzindo queda nas cotações da moeda americana a partir da semana que vem.
Medidas devem atingir o crédito
A decisão do Banco Central (BC) de elevar os compulsórios sobre depósitos à vista, a prazo e poupança para conter a especulação com o dólar deverá restringir ainda mais o crédito ao consumidor. De acordo com o vice-presidente da Anefac, Miguel Oliveira, este impacto será percebido nas linhas mais populares oferecidas por grandes bancos de varejo, que têm forte atuação em depósitos à vista.
– Ainda não é possível medir de quanto será o impacto para o consumidor em termos percentuais porque os compulsórios têm efeitos indiretos sobre o crédito. Mas os bancos passarão a ser mais seletivos e restritivos – explica.
Oliveira, no entanto, não acredita que os juros cobrados sobre o cartão de crédito e cheque especial aumentem. Segundo ele, essas taxas já estão em patamares muito altos e, caso as instituições financeiras resolvam elevá-las ainda mais, correm o risco de ser atingidas em cheio pela inadimplência.
O diretor-executivo da corretora NGO, Sidnei Moura Nehme, entende que o pacote do BC para barrar a escalada do dólar está corrigindo parte dos seus próprios erros. Nehme diz que o BC errou ao encurtar a dívida pública atrelada ao câmbio justamente para o período eleitoral. Ele afirma que a combinação entre indefinição eleitoral e a concentração de vencimentos atrelados ao dólar criou o ambiente propício para a especulação e o oportunismo.
– O Banco Central tem a obrigação de corrigir o seu erro, pois ele mesmo criou o ambiente para o que está acontecendo. É certo que existe a tensão em torno do cenário eleitoral, mas também é certo que há oportunismo coincidente com isso. Agora, o BC se vê obrigado a jogar pesado – afirmou o economista.
Nehme defende que a ação do BC não se conclua nas medidas anunciadas nesta semana. Ele afirma que a autoridade monetária precisa agora vender um grande volume de dólares no dia 16, véspera do vencimento da dívida de US$ 3,6 bilhões que tanto vem agitando os negócios. Com uma oferta expressiva de recursos, que podem ser posteriormente recomprados, o BC derrubaria as cotações, anulando a pressão em torno da Ptax, a média das cotações do dólar que vai remunerar a dívida vincenda.
– As possibilidades de ganho com o dólar têm sido enormes nos últimos dias e o BC não pode ficar refém do mercado -afirma.
Ainda no rol de erros do BC, Nehme cita ainda as declarações dadas anteontem pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que admitiu que o BC tinha mecanismos limitados para conter a disparada do dólar e atribuiu ao cenário eleitoral o nervosismo que toma conta dos mercados. Fraga divulgou nota hoje na tentativa de explicar as declarações, negando que o BC estivesse parado diante da crise.