A família da aposentada Cristiane Gomes, de 50 anos, nem se lembra mais de quantos telefonemas, cartas e mensagens de celular com propostas de crédito consignado recebeu no último mês à procura de seu marido, Ademir, morto há cinco anos.

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“Foram duas ligações, só hoje. Depois de um tempo, passei a dizer que tentassem procurar por ele telefonando para o céu. Recebo ligações de bancos em que nunca tive conta. Se eu tiver interesse, vou ao banco. Às vezes, chegam cartas nos perguntando qual é o nosso sonho – o meu sonho é ficar em paz.”

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Dirceu Pereira da Silva, de 57 anos, ficou sabendo que havia se aposentado ao ser abordado por uma financeira, que entrou em contato com o contabilista antes que ele recebesse a carta do INSS. “Dei entrada no benefício em outubro e, 15 dias depois, as empresas começaram a ligar. Diziam: ‘O senhor já está aposentado’. Levei um susto. Já sabiam até quanto eu iria receber.”

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No mercado de venda de dados pessoais, a privacidade de cada aposentado vale menos de R$ 0,10. O Estado teve acesso a uma planilha, com cerca de 230 nomes, ofertada por uma empresa virtual como “amostra grátis” do produto a serviço de telemarketing de correspondentes bancários.

A lista tem nome, data de nascimento, CPF, endereço, telefones e dados específicos da Previdência – como número de benefício e motivo da aposentadoria. A origem dos registros é explicada vagamente pelo vendedor: “Vem de um banco de dados atualizado mensalmente.” O pacote básico, com mil registros, sai por cerca de R$ 88.

Munido dessas informações, é possível consultar outros dados sigilosos, como o valor do benefício e sua data de recebimento, por exemplo, por meio dos canais da própria Previdência, via telefone ou internet.

Os correspondentes são empresas contratadas pelos bancos para a prestação de serviços de atendimento aos clientes e usuários das instituições.

Quando questionados sobre a forma de obtenção das informações de aposentadoria, os atendentes dessas empresas costumam responder que a informação de aposentadoria é publicada no Diário Oficial.

“É uma desculpa antiga, que ouvimos o tempo todo por aqui, mas não faz sentido. O benefício é uma informação privada. A publicidade se dá apenas em ações públicas, como a posse de um servidor”, diz Tonia Galetti, advogada do Sindicato Nacional dos Aposentados.

A entidade estima receber cerca de 50 reclamações por semana referentes a problemas na concessão de consignado.

Em setembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo ajuizou uma ação contra o INSS e uma recuperadora de crédito pelo uso indevido de dados sigilosos de beneficiários da Previdência para a oferta de empréstimos.

Segundo o procurador da República Luiz Costa, autor da ação, “o INSS é gestor dos benefícios e responsável pela manutenção do sigilo. A informação não pode ser acessada por terceiros sem autorização, sob pena de violação de privacidade”.

Outro lado

Segundo o INSS, os dados dos segurados e beneficiários são mantidos em sigilo e, “em nenhuma hipótese, fornece qualquer dado pessoal sob sua guarda a terceiros, sejam instituições financeiras, entidades representativas de classe ou quaisquer outros”.

A Febraban, que representa os bancos, diz não endossar práticas que estejam em desacordo com as normas estabelecidas para a concessão de crédito. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.