A valorização da arroba do boi, de 40% em 2010, vem estimulando o setor pecuário a recompor o rebanho, hoje insuficiente para garantir volume que atenda plenamente a demanda. Seis anos de preço do boi em queda – de 2004 a 2007 – levaram produtores a abater matrizes, o que impactou na oferta de carne nos anos seguintes e até hoje sustenta os preços do produto. O produtor está elevando a produtividade por área, investe mais em tecnologia genética, na inseminação artificial e na recuperação de pastagens. Entretanto, essas práticas demandam financiamento ou capital próprio nem sempre disponível. Além disso, a pecuária tem um ciclo longo de desenvolvimento, de até três anos, e por isso especialistas acreditam que a oferta – considerando apenas a demanda atual – se normalizará somente em 2014. Sem esquecer: a recomposição do rebanho depende que as cotações do boi sigam remuneradoras.
No País, é usual a prática de se abater fêmeas, mas ela foi intensificada em 2005 e 2006, por conta da crise de preços. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em fevereiro de 2006 o porcentual de abate de fêmeas chegou a 49%, passando a 47% nos dois meses seguintes. Em setembro do ano passado, o número já caía, conforme o dado mais recente do IBGE: as fêmeas abatidas representavam 33% do total, praticamente o mesmo nível de janeiro de 1999 (32%). O rebanho brasileiro, ainda segundo o IBGE, em levantamento de 2009, é de 205,292 milhões de cabeças.
Sob a ótica da oferta e demanda, de acordo com números da consultoria MB Agro, a produção não está sendo suficiente para atender a demanda pela proteína, que deverá continuar crescendo por conta do aumento de renda da população brasileira e da mundial. Em 2010, por exemplo, a produção de carne bovina foi de 8,940 milhões de toneladas equivalente carcaça, ante exportações de 1,634 milhão de toneladas e consumo interno de 7,346 milhões de toneladas. O consumo per capita cresceu de 35,6 quilos em 2009 para 38 quilos em 2010. Para 2011, a consultoria prevê uma produção de 9,298 milhões de toneladas, sendo 1,667 milhão de t destinadas à exportação e 7,671 milhões de toneladas para consumo doméstico. O consumo per capita deverá passar a 39,3 quilos.
O processo de recuperação do rebanho no País teve início em 2008, prosseguiu em 2009, com menos intensidade por causa da crise econômica mundial, e voltou a crescer em 2010. A prática ganhou força no final do ano, com o registro de preço recorde da arroba do boi atingido em novembro do ano passado – R$ 117,18 arroba à vista em São Paulo no dia 11, segundo o indicador Esalq/BM&FBovespa, apurado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Conforme o IBGE, no terceiro trimestre de 2010 o abate de bovinos recuou 2,5% ante o segundo trimestre, com destaque para a redução de 10,9% do abate de vacas.
A manutenção das cotações no patamar de R$ 100/arroba animou os pecuaristas a investirem mais. “Com a arroba a R$ 100, o pecuarista recuperou tudo o que a inflação (tendo como base o IGP-DI) corroeu nesses últimos anos”, disse o engenheiro agrônomo e diretor-presidente da Scot Consultoria, Alcides Torres. Outro fator que está atraindo os pecuaristas é o preço do bezerro. “No auge da desvalorização do boi, em 2005, o bezerro valia R$ 350/cabeça (valores de Mato Grosso do Sul, a praça balizadora), por isso houve um descarte muito forte de matrizes. Em novembro, com o pico da arroba, o bezerro era negociado a R$ 1.000/cabeça. Hoje, estamos no patamar de R$ 750 e R$ 800/cabeça”, explicou o diretor técnico da Informa Economics FNP, José Vicente Ferraz.
A relação de troca também estimula o investimento, segundo Ferraz. Hoje, essa relação, medida pelo valor da arroba do boi gordo e o do bezerro, está em 2,2x, acima da média história (2,1x). “Acredito que ainda neste ano, por conta de uma melhora da oferta de bezerros oriundos já desse movimento de recomposição de rebanho, a cotação do bezerro chegue entre R$ 550 e R$ 600/cabeça e, como ainda teremos um ano de oferta restrita de animais para abate, sustentando os preços da arroba, essa relação de troca tende a melhorar cada vez mais”, explicou Ferraz.
Mas o movimento é lento e os resultados demoram a aparecer. “O ciclo da pecuária é longo, de dois a três anos. Por mais que se invista em recuperação de rebanho, essa oferta só ficará disponível em 2014, embora cada vez mais se abate animais de menor idade”, diz o diretor técnico Informa Economics FNP. Para o analista da Scot Consultoria, Hyberville Neto, a alternativa para compensar esse prazo é investir em tecnologia. “Precisamos de um rebanho mais eficiente, melhores técnicas de manejo e nutrição de animais, recuperação de pastagens degradadas, mais utilização de genética”, enumera, para acrescentar: “Mas a pecuária precisa de mais estímulos para fazer isso.”
Crédito
Estímulos existem mas são insuficientes, de acordo com o presidente do Fórum de Pecuária de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Antenor Nogueira. Ele diz que as linhas de crédito para o segmento são escassas, falta financiamento para retenção de matrizes, gado confinado e que tenha a aplicação de insumos como objetivo. Atualmente, o pecuarista pode obter crédito de até R$ 250 mil por produtor para custeio e até R$ 400 mil no caso de investimentos. “Isso não é nada, principalmente para o grande pecuarista de corte”, avaliou. “Desde 1986, a pecuária está sem crédito e o produtor tem tido que andar com as próprias pernas”, continuou.
O governo disponibiliza hoje linhas para a pecuária dentro de projetos maiores – o Programa de Estímulo à Produção Agropecuária Sustentável (Produsa) e Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). O primeiro conta com US$ 1 bilhão e o segundo, com R$ 2 bilhões, mas o acesso, apesar de crescente, ainda é visto como tímido dentro do próprio Ministério da Agricultura. Há a expectativa de que haja aumento da oferta no Plano Safra 2011/2012, que deve ser lançado em três meses. Como os cortes no orçamento ainda não estão definidos, não se pode dizer de quanto será essa expansão. Atualmente, nem o Ministério nem o Banco Central dispõem de dados específicos sobre o acesso de pecuaristas ao Produsa e ao ABC, já que se tratam de programas abrangentes e, portanto, que podem atender a vários segmentos rurais.
Elevação dos custos
Além da falta de estímulos financeiros, o pecuarista também se depara com o tamanho dos gastos na produção. No ano passado, a disparada dos preços da arroba do boi também foi acompanhada pela elevação dos custos de produção da pecuária De acordo com levantamento do Cepea, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), no acumulado de 2010 o Custo Operacional Total (COT) da pecuária de corte brasileira subiu 20,90%, a segunda maior alta já verificada para um ano na série do Cepea que se iniciou em 2004. Esse aumento só perde para 2008, quando o COT teve alta de 25,76%.
Dentre os insumos utilizados na produção da pecuária de corte que tiveram o maior aumento em 2010 estão sementes forrageiras, com alta de 37,51%, representando 2,33% do custo de produção; implementos agrícolas, com aumento de 24,99% e participação de 2,48% e vacinas, com avanço de 21,08% e representatividade de 1,43%. O bezerro e outros animais de reprodução acumularam alta de 19,66% em 2010 e têm participação de 28,39% no custo de produção. Já a suplementação mineral, que representa 21,22% dos custos totais, subiu 14,42% no período.