Dois anos depois de concluída a venda da Odebrecht Ambiental para a gestora canadense Brookfield, os dois grupos estão em conflito por suposto calote. A empreiteira brasileira – pivô da Operação Lava Jato – argumenta que tem direito a receber cerca de R$ 400 milhões da multinacional, conforme negociação prevista no contrato de venda. Já a Brookfield não reconhece nenhum valor devido. Um dos casos já está sendo discutido numa câmara internacional de arbitragem e um outro pode seguir o mesmo caminho.
O valor mais relevante, de R$ 350 milhões, refere-se a não liberação de recursos retidos numa conta caução, à época da venda, para cobrir possíveis obrigações de indenizações não resolvidas – uma forma proteger o comprador, caso encontrasse alguma contingência após o fechamento do negócio. Pelo contrato, a multinacional deveria devolver por ano 20% do montante durante cinco anos, conforme troca de cartas entre a Odebrecht e a multinacional, às quais o jornal ‘O Estado de S. Paulo’ teve acesso.
Na correspondência, a empreiteira afirma que a “conduta abusiva” da empresa não é nova. Diz também que o histórico da negociação mostra que a multinacional se aproveitou da situação fragilizada do grupo para “inserir alguns conceitos no contrato de forma premeditada” para não liberarem os valores da conta caução por meio de “interpretações extensas, abusivas, ilegal e sem critérios”.
Nessa altura, a Brookfield já deveria ter liberado cerca de R$ 100 milhões do total. Para a Odebrecht, que vive intensa crise financeira e de liquidez, qualquer montante faz diferença. Na quarta-feira, uma das companhias do grupo – a Atvos – entrou em recuperação judicial.
Em determinado trecho das correspondências, a Odebrecht afirma que a própria companhia “não considera provável a materialização de perdas com ações judiciais nos montantes alegados para a retenção da conta caução”. “A contradição é palmar e atesta má-fé de V.Sas”, escreve a Odebrecht, na carta.
Venda de empresa. Do outro lado, a Brookfield não reconhece o direito da empreiteira de receber nenhum valor. O mesmo ocorre com a venda feita pela empresa de três companhias de tratamento de água e resíduos industriais para o grupo sul-coreano GS Inima, por R$ 780 milhões, no início de maio. A Odebrecht argumenta que o acordo de venda da Ambiental previa cláusulas de pagamento de um porcentual, caso a Brookfield vendesse as unidades.
Na época da venda, segundo fontes ouvidas pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’, a canadense não tinha interesse em adquirir essas unidades. Mas, para fechar o acordo, ficou definido que a Odebrecht venderia as empresas por um valor menor e, quando a Brookfield se desfizesse dos ativos, repassaria 80% da diferença entre o valor de compra e o de venda para a companhia brasileira. Esse acordo valeria por 18 meses para uma proposta firme mais 120 dias para que a transação fosse finalizada.
A conclusão da venda, no entanto, ocorreu após esses prazos. Por isso, a Brookfield diz que a Odebrecht não tem direito a receber nenhum valor. “Como previamente informado na notificação, o vendedor não tem direito a nenhuma reivindicação de informação ou pagamento sobre a transação comercial de serviços públicos. E, daqui para frente, nenhuma informação ou pagamento será oferecido e nenhum documento é devido ao vendedor”, diz a canadense em carta enviada à Odebrecht, em 6 de maio.
Pelas contas da Odebrecht, no entanto, ela tem direito a R$ 43 milhões. Mas, diante da negativa da Brookfield, a companhia decidiu entrar na Justiça para ter acesso aos documentos referentes à venda para o grupo coreano. A empreiteira argumenta que em 17 de agosto de 2018, dentro do prazo previsto no contrato, já havia aceitado a proposta da GS Inima – pelo acordo, ela teria de dar o aval à venda. Mas a conclusão da venda só ocorreria nove meses depois.
Diante das justificativas, o juiz concedeu liminar obrigando a Brookfield a liberar os documentos. A decisão, no entanto, foi revertida dias depois e agora o caso deverá ir para arbitragem. Diante de tantas idas e vindas, o clima entre os grupos azedou. Por se tratar de um processo confidencial, as duas empresas não podem falar do assunto.
Mas, fontes ouvidas pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’, dizem que as companhias estão irredutíveis. A Odebrecht sente ter sido prejudicada por sua fragilidade financeira – a companhia tem dívidas de cerca de R$ 70 bilhões. Já a Brookfield, com um portfólio de mais de US$ 250 bilhões em ativos, tem tido impaciência para lidar com a insistência da Odebrecht para receber o montante.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.