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‘O Brasil precisa de um impulso fiscal’, diz economista Eduardo Gianetti

A situação “desesperadora” da economia brasileira, que enfrenta a recuperação mais lenta desde pelo menos os anos 1980, exige “medidas ousadas”, segundo o economista Eduardo Giannetti. “As circunstâncias requerem certa flexibilidade e criatividade”, diz ele, que sugere a venda das participações minoritárias do BNDES em empresas como uma forma de levantar recursos para concluir obras paradas pelo País. A proposta, acrescenta, daria impulso à atividade e ao emprego, mas não resolveria o problema da estagnação. Giannetti afirma que, para isso, também é preciso reduzir o nível de incertezas, mas as falas do presidente Jair Bolsonaro não têm ajudado nesse aspecto.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. tem estudado as recuperações no Brasil após recessões. Essa é a mais lenta da história brasileira. O que a diferencia?

Comparei os oito episódios recessivos pelos quais o Brasil passou desde 1980. O mais preocupante agora é o tempo que está levando para a economia voltar ao nível pré-crise. Estamos há 20 trimestres desde o início da recessão, e a economia está 5% abaixo do que era antes. A média das outras sete recessões é de oito trimestres. Uma explicação é a queda do investimento em um terço. O setor público, com a crise fiscal, comprimiu os gastos discricionários, acabando com o investimento. O setor privado também não está investindo. Um fator (que explica essa queda) foi o quadro crônico de incerteza política durante o impeachment e após os escândalos ligados à JBS no governo Temer. A incerteza em relação às instituições brasileiras é enorme. Outro ponto é que se tem uma enorme capacidade ociosa. Não tem demanda e não tem perspectiva de que ela volte tão cedo, pela questão do desemprego, que diminui a renda e aumenta a incerteza.

É possível fazer algo para mudar esse quadro?

Estou defendendo uma ideia que não é muito na minha linha de pensamento, mais austero em economia, mas acho que, dada a realidade, faz sentido. Seria razoável e benéfico o BNDES vender suas participações minoritárias em grandes empresas, e o governo utilizar esses recursos para terminar as obras públicas paralisadas. Conversei com Claudio Frischtak, o maior especialista brasileiro em infraestrutura, e ele estima que tenham de 8 mil a 12 mil obras públicas paradas no Brasil. É um escândalo e um absurdo do ponto de vista econômico. A obra está se deteriorando. A grande objeção que ele faz, e que compartilho até certo ponto, é que falta gestão para o governo fazer isso. Mas tem de trabalhar para ter.

A concessão dessas obras não seria mais rápido?

O que puder passar para a iniciativa privada, acho razoável. Mas tem muita coisa que não passa, áreas de saneamento que a iniciativa privada não tem interesse. O País precisa de um impulso fiscal para a economia sair da letargia, e o melhor impulso é esse. A estimativa é que o BNDES tenha R$ 100 bilhões em participações minoritárias. Não vai fazer tudo ao mesmo tempo. O mercado nem tem como absorver. Mas dá para fazer um volume expressivo de recursos rapidamente e iniciar um programa de término de obras.

Acha que tem chance de o governo adotar uma medida assim?

A leitura que faço é que eles têm preferência por recursos para abater dívida. O que não é de todo mau, mas não leva em conta a gravidade do quadro de estagnação. Um impulso fiscal com efeito sobre o nível de atividade e do emprego, especialmente porque são obras que demandam muita mão de obra, é mais interessante neste momento. Há situações desesperadoras em que você precisa de medidas mais ousadas. Agora, isso também não resolve o problema, assim como a Previdência não resolve. O que vai dar condições para um crescimento potencial maior é o aumento da poupança, do investimento e a redução da incerteza institucional. Quando o Bolsonaro começa a interferir na Polícia Federal, começa a falar monstruosidades sobre a Amazônia, isso tudo mina a confiança no futuro e na previsibilidade do País. Se tem algo que prejudica o investimento é essa incerteza. As trapalhadas – ambientais, de relações externas, de voluntarismo primitivo do presidente – atrapalham a economia brasileira.

Economistas apontam que medidas de curto prazo podem prejudicar uma recuperação de longo prazo. O que acha?

Não sou tão fatalista. Há medidas, mencionei uma só, que podem ter impacto. Não são uma tábua de salvação, mas circunstâncias requerem certa flexibilidade e criatividade

No ano passado, o sr. disse ao Estado que a reputação do liberalismo no Brasil poderia ser arruinada se o presidente não tivesse preocupação social. O governo está cuidado dessa questão? A Previdência incluiu medidas para proteger os mais pobres?

Não acho que a reforma da Previdência tenha avançado muito no quesito equidade. Muitos grupos, como militares, conseguiram preservar uma situação privilegiada. Agora, onde o nervo exposto de um liberalismo desastrado começa a aparecer é no campo ambiental. O governo sinalizou para os atores da região Norte uma carta branca. Além do desmonte dos órgãos públicos, do Ibama e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), tem um efeito demonstração que faz quem está lá na ponta, o grileiro, o agronegócio irresponsável, se sentir legitimado a fazer coisas que sempre desejou e não podia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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