Consumidor

Número de recalls registra aumento

Falta de preparo profissional dos trabalhadores das indústrias ou dos fornecedores? Ainda não está muito claro, mas o grande número de recalls que vêm ocorrendo nos últimos anos levanta a questão da formação profissional. E não foram apenas os proprietários de automóveis a serem chamados para repor uma peça danificada e que poderia causar acidentes. Brinquedos e até cadeiras para transporte de crianças foram objeto de mudanças em razão de problemas nas peças ou na pintura.

O Código de Defesa do Consumidor é bem claro: “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”. Analisando o texto, chega-se à conclusão plausível de que os produtos oferecidos no mercado não podem, jamais representar riscos. Quando se pensa em veículos, então, essa frase tem ainda mais peso, pois um acidente de trânsito pode ceifar vidas, ou mesmo causar danos irreversíveis à saúde.

Porém, não é pequeno o número de registros dos chamados recalls, que significa a rechamada do consumidor que adquiriu um veículo à revendedora, para que ela avalie e arrume as peças que por ventura apresentarem defeito. Nos últimos anos, surpreende a quantidade de recalls realizadas: segundo dados do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, somente nos primeiros quatro meses deste ano já foram registrados pelo menos 24 recalls de veículos, envolvendo mais de 812 mil unidades, de várias montadoras. O número neste ano com certeza será bem superior ao de todos os casos registrados no ano passado, quando o órgão contabilizou 35 recalls envolvendo quase 460 mil veículos. Para se ter uma ideia, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) prevê a venda de cerca de 3,4 milhões de veículos neste ano.

Porém, mesmo informando o consumidor de que ele deve comparecer para fazer o recall, a montadora não se exime de culpa, já que um veículo com defeito pode trazer sérias consequências para o consumidor. “O consumidor está sendo lesado, sim, se o defeito é capaz de colocar em risco sua vida. E mesmo que não ocorra nenhum acidente, o consumidor já é lesado quando há um problema no veículo. Mas a empresa será responsabilizada sempre”, afirma a advogada do Procon-PR, Cláudia Silvano.

Com a grande quantidade de veículos produzidos nos últimos anos (primeiro as formas facilitadas de pagamento e depois os incentivos em tributos mais baixos que fizeram crescer a demanda), as montadoras não param. Paralelamente a isso, as empresas também têm se preocupado ainda mais com segurança, diz o professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), Jorge Luiz de Sá Riechi. No entanto, ele avalia que esses procedimentos de segurança (tanto na montagem como na execução dos projetos dos veículos) ainda são falhos. E uma das explicações para isso, segundo Riechi, é a produção desenfreada. “Em geral, seria o fornecedor da peça que teria culpa nisso. Porém, para o consumidor, é a montadora quem tem responsabilidade. Por isso sabemos que elas são severas no controle de qualidade, porém, esse controle não tem sido suficiente, pois na busca de produzir cada vez mais, isso tudo é abalado”, avalia.

Há alguns anos, apenas as montadoras que possuíam linhas mais populares é que tinham mais problemas com recall. Hoje já não é mais assim. Segundo os dados do DPDC, até uma Ferrari, ou mesmo carros considerados mais luxuosos, como Jaguar, Land Rover, Bla,zer e Picasso, passaram por recalls recentemente.

Montadoras emudecem

Recentemente, casos de recalls deram muita dor de cabeça para algumas montadoras. A Toyota acabou admitindo os defeitos no Corolla após ser proibida pela justiça de vender estes modelos em Minas Gerais (a proibição poderia ser estendida, inclusive, para todo o país). A Fiat teve que arcar com uma multa de R$ 3 milhões, aplicada pelo DPDC, por causa de falhas nas rodas do Stilo, que envolveu o recall de cerca de 52 mil veículos. Em maio deste ano, a Mitsubishi também convocou seus consumidores para recall das picapes L 200 Triton, produzidas entre 2007 e 2009. O problema foi verificado em uma peça de suspensão.

A reportagem entrou em contato com algumas montadoras, como Renault e Volkswagem, mas não obteve retorno. A reportagem também tentou falar com algum representante do DPDC, mas também não obteve retorno.

A reportagem telefonou, ainda, para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), mas ela não se pronuncia sobre recalls.

Rodolfo Rizzotto, editor do site www.estradas.com.br, escreveu um livro intitulado de Recall 4 Milhões de Carros com Defeito de Fábrica. O livro está disponível gratuitamente no site. Basicamente, o autor relaciona mais de 4 milhões de carros convocados para recall desde 1991, quando entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor. O livro traz informações sobre marcas, modelos, motivos de recall, riscos para os consumidores, etc. (MA)

Despreparo profissional pode ser um dos motivos

Um dos motivos para a quantidade enorme de recalls nos últimos anos é a falta de preparo dos profissionais, tanto das fornecedoras de peças, como das montadoras de veículos. A opinião é do professor do departamento de Mecânica da Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), Jorge Luiz de Sá Riechi. Para ele, não há outra saída que não seja preparar e qualificar esses profissionais continuamente.

“As vezes um simples treinamento não é suficiente. É preciso que os funcionários passem por capacitação contínua. E não só aqueles que trabalham nas fábricas, mas também os engenheiros que preparam os projetos dos veículos. O que ocorre é que muitos deles nunca tiveram experiências práticas do chão de fábrica, e então acabam falhando nos projetos. É comum algo funcionar no computador, mas quando se chega na prática é tudo bem diferente”, alertou o professor, que dá aulas no curso de pós-graduação em indústria automotiva da UTFPR.

Já a advogada do Procon-PR, Cláudia Silvano, acredita que os números podem estar aumentando porque as empresas estão cada vez mais preocupadas com a segurança dos veículos. “Acho que elas estão mais cuidadosas”, avalia. Cuidadosas ou não, o fato é que os veículos podem vir com defeito, e o consumidor deve ficar atento. “É o ônus do bônus. Quanto mais se investe em segurança, menos a possibilidade de ter problemas”, analisa.

A reportagem entrou em contato com algumas empresas fornecedoras de peças automotivas, porém, muitas delas não deram retorno. Mas o diretor da Metalúrgica Riosulense, Roberto Kalaur, conversou com O Estado. A empresa é de Santa Catarina, mas fornece peças para todo o país. Segundo Kalaur, o item segurança é um dos mais discutidos dentro da empresa. Ele acredita que as montadoras também agem dessa forma. “As montadoras são rígidas para desenvolver seus fornecedores. E para nós, as normas técnicas estão cada vez mais rigorosas também”, afirma.

Para ele, não há como afirmar se os recalls ocorrem por falta de cuidados. “Acredito que a precaução hoje é bem maior do que há alguns anos. Temos preocupação com o mínimo que possa trazer transtornos ao consumidor. Porém, é evidente que você corre riscos de erros em projetos. Mas eu acredito que os recalls são mais preventivos mesmo, e isso traz segurança ao consumidor”, avalia Kalaur. (MA)

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