Depois de perderem o grande boom de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) em 2007, as seguradoras têm à disposição um mercado bilionário para explorar com o retorno do apetite das empresas em buscar recursos por meio de emissões na bolsa brasileira. A largada já foi dada. No ano passado, nomes como BR Distribuidora, o ressegurador IRB Brasil Re e o Burger King utilizaram o seguro que protege as companhias em uma abertura de capital, batizado de POSI (Public Offering Securities Insurance). Para este ano, há potencial para este mercado dobrar de tamanho com a maior preocupação das empresas em mitigar seus riscos e, de quebra, blindar executivos de reclamações de investidores insatisfeitos.
Demandadas principalmente por multinacionais ou em ofertas parrudas e que, naturalmente, geram maior exposição, as apólices protegem os emissores de eventuais prejuízos por erros nos prospectos ou até mesmo informações imprecisas ou incompletas e que são ventiladas durante as reuniões de executivos com o mercado, os chamados roadshows. Em geral, têm vigência de cinco anos – a maioria das reclamações ocorre já no primeiro ano – e a importância segurada representa entre 10% e 20% do valor da captação. Como o seguro é sob medida para emissões de valores mobiliários, não é renovado e, por isso, as seguradoras têm de buscar novos negócios.
As coberturas do POSI abrangem a empresa e seus administradores, os conselheiros, mas também os acionistas controladores e ainda os que pretendem vender suas participações no caso de uma emissão de ações. E vai além. Se investidores se sentirem lesados por condutas dos bancos de investimento durante a oferta, eventuais reclamações também são contempladas no POSI.
A BR Distribuidora, por exemplo, fez um processo licitatório para contratar um POSI para sua oferta que superou os R$ 5 bilhões, o maior IPO desde 2013 na Bolsa brasileira. As seguradoras Chubb, que lidera o programa global de seguros da Petrobras, e Zurich disputaram o contrato, que acabou ficando com a suíça. A busca da companhia por prevenção pode também ser observada no próprio prospecto distribuído ao mercado, que destaca um de seus principais riscos: eventuais desdobramentos da Operação Lava Jato. Segundo o documento, esse ponto pode prejudicar a reputação da empresa e, assim, afetar os negócios “de forma negativa e relevante”. Os investidores, nesse caso, estão avisados.
“As condições para o aumento da demanda por esse tipo de seguro está dada com um cenário positivo para IPOs no primeiro semestre deste ano. Hoje, as empresas olham mais para questões de compliance e existe um ambiente que exige do administrador mais cautela para conduzir uma empresa no processo de abertura de capital e dos riscos de a companhia deixar de ser fechada para ser aberta”, explica o sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho, Jean Marcel Arakawa.
Essa conscientização não existia, de acordo com o gerente de linhas financeiras da seguradora AIG no Brasil, Flávio Sá, quando o seguro POSI chegou no Brasil, em meados de 2007, último grande movimento de aberturas de capital no País. Tanto que, de lá para cá, conforme ele, apenas um terço das empresas que emitiram ações no Brasil recorreram ao POSI. Nesse período, a responsabilidade civil de administradores ganhou holofotes em meio ao desenvolvimento das apólices de D&O – que cobrem exatamente erros de executivos em suas atividades. No ano passado, conforme Sá, a maioria das novatas na bolsa demandaram o POSI. Não há, porém, números oficiais do segmento, já que este seguro é uma modalidade do próprio D&O e, portanto, não é compilado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), que regula o mercado.
Mudança de rota
Apesar da menor escala no Brasil em relação a mercados mais maduros, como o dos Estados Unidos, não é incomum haver questionamentos de investidores sobre os prospectos das emissões. Até mesmo porque, esses documentos contam com centenas de páginas, preenchidas com informações tidas como mais relevantes, tais como o setor em que a empresa atua, planos da companhia, seu quadro administrativo e riscos do negócio. Fora que os órgãos reguladores, como, por exemplo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), têm sido mais atuantes na fiscalização das empresas e, consequentemente, no alerta aos investidores.
Um caso bastante conhecido foi o processo instaurado para analisar as informações do prospecto da emissão multibilionária da Petrobras, em 2010, a respeito do pagamento de dividendo mínimo. O documento dizia que os acionistas preferencialistas não teriam direito a voto, exceto quando a empresa deixasse de pagar os proventos mínimos por três exercícios consecutivos. Essa cláusula não foi um problema até que a petroleira se viu no vermelho após a Operação Lava Jato e suspendeu o pagamento de dividendos aos acionistas. A mudança de conduta da estatal gerou questionamento por parte dos preferencialistas, mas, no final, os administradores da Petrobras foram absolvidos pela CVM.
Influencia, sobretudo, o fato de a caneta da xerife do mercado de capitais ter ficado mais pesada em meio à autorização para punir empresas abertas com multas maiores, cujo valor máximo foi multiplicado por dez, podendo chegar a meio bilhão de reais no Brasil. O seguro POSI, neste caso, também pode ser utilizado, uma vez que, conforme a nova regulamentação da modalidade, passou a contemplar a cobertura para multas, embora, como qualquer outra apólice, não abranja dolo nem má fé.
“O seguro, inclusive, melhora o rating de risco da empresa para o investidor. Funciona como um tranquilizante”, garante o vice-presidente de Linhas Financeiras da corretora de seguros JLT, Miguel Vilella.
Lá fora, com um mercado de capitais muito mais pujante que o brasileiro, reclamações de investidores são ainda mais comuns. Até mesmo o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi processado após seu bilionário IPO em 2012. Investidores entraram na Justiça americana depois de a rede social reduzir a projeção de crescimento difundida durante os roadshows pouco tempo após o sucesso da oferta. Outro caso muito conhecido nos Estados Unidos foi a ação coletiva contra a Blue Apron, do setor de alimentos, após os papéis da empresa caírem pela metade, com os investidores acusando a companhia de ter falhado na abertura de informações no prospecto.
Outra mudança de cenário que pode ser coberta pelas apólices de POSI são casos de força maior, isto é, caso a empresa tenha de cancelar a sua oferta de ações por motivos externos à companhia. Sá, da AIG, cita como exemplos algum tipo de catástrofe ou um grande acidente como, por exemplo, o falecimento de um dos executivos. Nestes casos, os custos do cancelamento da oferta estão amparados nas apólices.
Agora vai
Para as seguradoras, o mercado de POSI é de grande potencial, visto que as expectativas diante de um cenário de taxas de juros na mínima histórica e economia em recuperação deve impulsionar a ida das empresas brasileiras à bolsa. Em 2017, por exemplo, a B3 foi palco de mais de R$ 40 bilhões em emissão de ações, o melhor ano desde 2009, desconsiderando dessa conta a megacapitalização da Petrobras, em 2010, que distorce os números. Para 2018, a despeito do ano eleitoral que acaba trazendo volatilidade ao mercado, as projeções de alguns bancos de investimento apontam para volumes das emissões de ações na casa dos R$ 35 bilhões.
A grande expectativa do mercado de seguros, segundo o diretor de linhas financeiras da seguradora Zurich, Fernando Saccon, está centrada no primeiro semestre, já que eventos como as eleições presidenciais devem antecipar as janelas de captações e, consequentemente, a demanda pelo POSI. “Esperamos que o crescimento deste mercado supere o de 2017, mas o segundo semestre ainda é uma incógnita”, destaca o executivo.
Por ora, somente as americanas AIG e Chubb Seguros disponibilizam apólices de POSI sob medida para as companhias brasileiras. As demais companhias oferecem uma extensão do seguro D&O e que pode ser usada por empresas interessadas em emitir ações, cumprindo, basicamente, o mesmo papel. A expectativa do mercado de seguros é que, a partir do maior desenvolvimento desta linha, mais seguradoras apostem na modalidade. A Zurich, conforme Saccon, estuda trazer o produto separado do D&O, a depender da demanda futura das empresas no Brasil.
Além das emissões de ações, o POSI também pode ser contratado para proteger empresas que desejam emitir outros valores mobiliários, como por exemplo, debêntures. No Brasil, ao menos até aqui, esse mercado segue tímido, com poucas apólices emitidas. “No Brasil, a procura ainda é baixa para emissões de dívida, mas o desenvolvimento do mercado de POSI atrelado aos IPOs tende a contribuir para difundir a amplitude de cobertura do produto, fazendo com que em um futuro próximo a demanda do produto para emissões de dívida seja mais significativa”, projeta o Diretor de linhas financeiras e energia da Chubb, Rafael Domingues.