A lei que determina que pessoas com contas em atraso só possam ser incluídas em listas de maus pagadores após serem comunicadas por um Aviso de Recebimento (AR) dos Correios pode levar a um enxugamento de até R$ 137,6 bilhões no volume de crédito concedido em São Paulo em 12 meses ou a um aumento de juros entre 7 e 9 pontos porcentuais ao ano, segundo estudo da Federação Brasileira de Bancos. Ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, o presidente da Febraban, Murilo Portugal, estimou que o principal movimento deve ser o de maior seletividade na liberação de financiamentos. “O efeito maior que se pode esperar é uma restrição de oferta, realmente. Vai ter outro efeito, secundário, menor, de elevação dos juros. Porque nem tudo se resolve pela restrição de oferta”, afirmou.

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O estudo da federação dos bancos projeta que, em reflexo à legislação paulista em vigor desde janeiro e alvo de disputa judicial, as instituições financeiras devem reduzir o volume de concessões entre 4% e 9% para as pessoas jurídicas e entre 11% e 17% para as pessoas físicas. A retração sobre o montante de crédito concedido em um ano seria de R$ 80 bilhões a R$ 137,6 bilhões, considerando que o Estado de São Paulo representa 32% do mercado de crédito brasileiro, segundo dados de 2014 do Banco Central.

Portugal destaca, porém, que apenas o aperto no crédito não impedirá empréstimos a pessoas com mais dificuldades para pagar as contas. Ele cita dados da Boa Vista Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) que apontam que, entre setembro e outubro deste ano, 7 milhões de consumidores com 10 milhões de contas em atraso não foram parar em listas de restrição de crédito devido à lei 15.659. “Então, acaba errando (na seletividade), concedendo crédito a quem não deveria e, portanto, se tem aumento de juros para compensar essa inadimplência adicional”, argumentou.

Em outra simulação, a Febraban considera os efeitos da “Lei do AR” sobre os juros, caso bancos e financeiras optem por manter a taxa de aprovação de crédito mesmo sabendo que consumidores com contas em atraso podem não constar na lista de “negativados”.

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Neste cenário, o estudo aponta que os juros deveriam subir entre 7 e 9 pontos porcentuais ao ano nas linhas de crédito pessoal, consignado e financiamento de veículos, consideradas mais representativas. A projeção não se aplica aos juros do cheque especial, do rotativo do cartão de crédito e das linhas de financiamento imobiliário.

Spread

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Mudanças nas informações sobre consumidores com contas em atraso têm influência direta sobre os juros porque, segundo o Banco Central, a inadimplência responde por um terço do total do spread bancário. O spread é a diferença entre os juros cobrados de quem pega dinheiro emprestado e a taxa paga pelos bancos a quem deposita recursos em suas instituições. Projeções da Boa Vista SCPC reforçam esta relação. A instituição estima que, mantidos o atual ritmo de concessão de crédito e o índice preliminar de recebimentos dos ARs assinados em cerca de 40%, o porcentual de consumidores com contas em atraso por mais de 90 dias deve saltar de 13,3% para 29,8% em 12 meses.

É exatamente para compensar este risco de atraso nos pagamentos que as instituições financeiras podem dar início a um movimento de restrição de crédito e alta dos juros. Miguel Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), afirma que o problema relativo à lei está menos na mudança no processo de negativação de um consumidor e mais no fato de permitir que, uma vez não negativada, uma pessoa com contas atrasadas possa continuar contratando empréstimos e comprando a prazo no comércio, mesmo tendo mais chances de atrasar suas contas.

Na prática, a nova legislação não permite aos bancos e financeiras serem tão seletivos como gostariam, resume Eduardo Tambellini, sócio da GoOn Consultoria de Risco de Crédito. O especialista afirma que, com menos confiança nas listas de negativados, as empresas passarão a usar outras informações para tentar determinar o risco de inadimplência de um tomador de crédito. “Neste ambiente, um consumidor de baixa renda sem o nome sujo pode enfrentar dificuldades para acessar o crédito porque o banco pode entender que ele está negativado, mesmo sem ter o nome na lista”, exemplificou.

Recurso

Nesta quarta-feira (11), o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) retomará o julgamento do recurso feito pela Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), e deve definir se a lei 15.659 continua em vigor ou se terá seus efeitos suspensos. A lei é de autoria do deputado estadual e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) Rui Falcão e entrou em vigor em janeiro de 2015, após a Assembleia Legislativa derrubar o veto do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Para o advogado do PT em São Paulo, Tiago Almeida, a lei trouxe transparência e lisura ao processo de inclusão dos nomes dos consumidores nas listas de negativados. Segundo ele, ao questionarem a nova legislação, as empresas de crédito acabam por “confessar” que não estavam cumprindo a lei, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor já determinava a comunicação prévia a uma pessoa que fosse ter seu nome incluído em uma lista de maus pagadores. Até a lei paulista que determina que esta comunicação seja feita via AR, os birôs de crédito enviavam uma carta simples aos clientes com contas em atraso.

Para o advogado, a argumentação de que lei é prejudicial ao consumidor é inverídica e os reflexos sobre as taxas de juros, improcedentes, porque, segundo ele, a nova regra aumenta a confiabilidade nas listas de negativados. “Agora, está garantido que apenas sejam incluídas informações verdadeiras nas listas negras”, disse, argumentando haver casos de pessoas que buscam a Justiça por não reconhecerem os débitos que deixaram seus nomes sujos.

A Febraban rebate e afirma que as reclamações judiciais por não recebimento da notificação, segundo informações divulgadas pelos birôs de crédito, representavam apenas cerca de 0,001% das notificações.