Nos 10 anos do Real, salário empatou com a inflação

Estudo do Dieese mostra que, de 1995 a 2003 – período considerável dentro dos 10 anos de existência do Plano Real, boa parte das negociações salariais resultou na recomposição das perdas inflacionárias acumuladas em cada data-base. Em 1995, por exemplo, 85% dos reajustes salariais registrados garantiram aos trabalhadores a reposição integral de perdas ou mesmo a obtenção de aumentos reais. De 1996 a 2002, a percentagem de negociações salariais que restaurou o poder aquisitivo dos salários variou de 55% a 67%, à exceção de 1999, quando aproximadamente metade dos acordos não recuperou o poder aquisitivo dos salários.

Foram tomadas por base as taxas indicadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE, o mais utilizado como parâmetro nas negociações salariais. Segundo o Dieese, o pior desempenho de todo o período foi registrado em 2003. Nesse ano, apenas 42% conseguiram repor as perdas inflacionárias.

Nos últimos três anos, houve um significativo recuo dos resultados conquistados pelos trabalhadores da área de serviços. Em 2003, apenas 26% dos acordos deste setor restauraram, com ou sem ganhos reais, os níveis salariais de 2002. No comércio, essa proporção, que até 1999 era a maior entre os três setores econômicos, também regrediu e passou de 85%, em 1998 e 1999, para 44%, em 2003. Por outro lado, os trabalhadores na indústria conquistaram um pico de 70% de recomposições salariais em 2000 e fecharam 2003 com 55%.

Segundo o Dieese, o acompanhamento dos acordos salariais formalizados ao longo dos últimos sete anos indica uma importante reversão de desempenho entre os industriários e os trabalhadores dos outros dois setores. De 1996 a 1998, os resultados obtidos pelos primeiros foram bem menos satisfatórios do que os alcançados nos setores de serviços e comércio – em relação a este último, a desvantagem persistiu até 1999. A partir de 2000, no entanto, os trabalhadores da indústria passaram a igualar ou superar, em proporção de casos de recomposição de salários, os resultados obtidos pelos comerciários, e a ultrapassar, em larga medida, os acordos obtidos pelos trabalhadores alocados em serviços.

Estabilidade

A estabilidade dos preços nos 10 anos do Real escondeu um outro problema também grave, além da inflação: a dívida pública. A falta de políticas fiscais nos primeiros anos de estabilidade, o reconhecimento de esqueletos do passado, a desvalorização repentina em 1999 e os juros altos durante todo o Plano Real fizeram o endividamento público saltar de 30% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país) em 1994 para 57% do PIB hoje.

Os economistas são unânimes em afirmar que, resolvido o gargalo externo com o salto das exportações a partir de 2002, a dívida pública é hoje a maior vulnerabilidade da economia brasileira. “É uma espada apontada para o país que força a manutenção dos juros altos”, diz o economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio.

Em 2002, às vésperas das eleições, a dívida líquida do setor público ultrapassou 60% do PIB e muitos investidores temeram uma moratória.

Cunha lembra que, antes mesmo do Plano Real, o país já tinha um quadro fiscal desfavorável. Isso, porém, era disfarçado pela inflação alta, que corrigia as receitas do governo (os índices usados para pagar tributos chegaram a ser reajustados diariamente), mas congelava as despesas. Isto porque os salários do funcionalismo não era atualizado no mesmo ritmo.

“O endividamento público já existia, porém ficou potencialmente mais difícil administrá-lo com a estabilidade dos preços”, explica Cunha.

Mas, na opinião do economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP, o maior responsável pelo aumento da dívida pública foi a política monetária desses dez anos de Real. Ao contrário de Cunha, que vê na dívida um entrave à queda dos juros, Toledo acredita que há espaço para taxas mais baixas e considera que foram os juros altos que provocaram a escalada do endividamento.

Na sua opinião, a inflação no país se consolidou num patamar baixo e, nos últimos anos, só subiu devido a choques cambais, como em 1999 e 2002, sendo controlada em seguida. E a virada nas contas externas do país – o saldo comercial que em 1997 chegou a ficar negativo em US$ 6,5 bilhões este ano deve ser positivo em US$ 25 bilhões – afasta a perspectiva de novas desvalorizações bruscas do real.

Preços

Conceito que se tornara abstrato durante os mais de 50 anos de alta inflação, a noção de preços voltou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros nesses dez anos de estabilidade da moeda. Se antes era só virar as costas no supermercado para a máquina remarcadora mudar os preços nas prateleiras, agora os consumidores sabem exatamente o valor de cada produto, lembram quanto pagaram nas últimas compras e, com isso, ganharam poder de barganha para exercer seu papel na economia.

“Não aceito quando alguma coisa sobe muito sem motivos. Compro em outro lugar ou, se não for possível, simplesmente troco de produto”, afirma a corretora de imóveis Berenice Loponte, que leva essa prática a sério mesmo quando se trata dos hábitos de consumo mais típicos dos brasileiros. “Dois meses atrás, quando o feijão estava muito caro, substituí por ervilhas”, exemplifica.

Na avaliação de economistas e estudiosos do comportamento humano, a reconquista da memória de preços provocou uma mudança radical nas relações de consumo no país.

Pouca coisa para se comprar

O real já valeu uma URV, chegou a custar mais que o dólar e ainda hoje é quase uma ufir – a unidade fiscal de referência, um resíduo da indexação, que vale R$ 1,0641 e é usada para alguns tributos. Mas hoje uma nota (ou moeda) de R$ 1 compra pouca coisa.

Nas bancas de jornal, o gibi mais barato não sai por menos de R$ 2. Uma caixa de leite (um litro, tipo C), que em julho de 1994 custava R$ 0,52, hoje não vale menos de R$ 1,50. Há dez anos, uma moedinha de R$ 1 comprava dez pãezinhos. Agora, dá para três unidades de pão francês, sobrando um troco de R$ 0,10, insuficiente para um chiclete.

A passagem de ônibus, no município de Curitiba, já custa mais do que R$ 1 há muito tempo. Até o iogurte – vedete do Plano Real ao lado do frango – já está quase superando essa marca.

Com um real, só é possível comprar uma unidade de iogurte ou um pote de iogurte natural, ambos na embalagem de 200 gramas.

Também não é para menos. Mesmo com o fim da inflação galopante, não foi possível evitar que, em dez anos, o real perdesse seu poder de compra. De julho de 1994 até hoje, a inflação ao consumidor acumula uma alta de 147%.

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