Daniel Caron/O Estado
Segundo a Apras, não há um padrão a ser seguido pelos supermercados em relação aos vales-refeição.

Concedido ao trabalhador há mais de 30 anos, o benefício do ticket-refeição está sendo desvirtuado. Ao invés de utilizar o ticket para alimentação, tem gente comprando bebida alcoólica e até cigarros em supermercados. As empresas que fornecem cestas básicas reclamam da prática.

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“Há uma concorrência desleal porque o trabalhador está utilizando o ticket para comprar inclusive bebidas alcoólicas, e está deixando de adquirir alimentos, o que tira do mercado centenas de empresas que fornecem cestas básicas porque, com os tickets ou cartões, é possível comprar também eletrodomésticos, revistas, roupas, material de limpeza, ração para animais e cigarros, entre outras coisas”, argumenta o diretor-executivo da Associação Nacional das Montadoras de Cestas de Alimentos (Amocesta), Péricles Salazar.

O comércio funciona sem qualquer tipo de fiscalização sobre o uso dos tickets, segundo a Amocesta. A instituição ressalta que alguns beneficiários também fazem uma pequena compra e repassam o saldo do cartão com deságio de 20% a 25%, recebendo o dinheiro vivo no ato.

“Os tickets se tornaram uma moeda paralela que circula livremente pelo País, possuindo características próprias de moeda: reserva de valor, meio de troca e denominador comum de valores”, afirma o diretor-executivo da Amocesta. Salazar cita a portaria 03, de 1.º de março de 2002, do Ministério do Trabalho, que diz que estes documentos de legitimação destinam-se exclusivamente às finalidades do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), ou seja, para a aquisição de gêneros alimentícios, sendo vedada sua utilização para outros fins.

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Denúncia

O assunto repercutiu na última semana e o deputado estadual Stephanes Junior (PSDB) subiu na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná para denunicar a prática. Mas não pode fazer muito mais do que isso. “A legislação é federal, então a fiscalização cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego. Porque por parte das empresas não há fiscalização, os supermercados deixam esse comércio correr solto, enquanto o MTE não toma atitude nenhuma”, diz o deputado.

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“Não podemos fazer uma lei. Mas estou cobrando, cutucando os deputados federais para que mudem a lei ou fiscalizem”, complementa. Stephanes lembra que o único programa de alimentação ao trabalhador no qual não há distorção é a cesta básica. “Há uma grande distorção. Temos três empresas de vale-refeição que concentram 70% do mercado no Brasil e que deixam esse desvirtuamento ocorrer. O restante é ocupado por mais de 20 mil empresas que fornecem cesta básica e estão dentro da lei”, compara. O mercado de vales benefícios e de fornecimento de cestas básicas aos trabalhadores movimenta aproximadamente R$ 30 bilhões ao ano no Brasil.

Sem padrão

De acordo com a Associação Paranaense de Supermercados (Apras), não existe um padrão a ser seguido pelos supermercados no recebimento dos tickets e acontece uma negociação individual de cada mercado com as empresas que oferecem os vales alimentação e refeição.

O mal uso do vale-refeição é amenizado pelo presidente da Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert), Artur Almeida. Ele reconhece que alguns trabalhadores usam o vale-refeição para outras finalidades, mas ressalta que a quantidade de pessoas que faz isso é pequena.

“É uma realidade. Muita gente usa e usa mal. Mas não se pode querer curar a doença matando o doente. Fizemos uma pesquisa Ibope anos atrás para verificar a situação e pouco mais de 6% dos usuários no Brasil inteiro disseram que já tinham desvirtuado o uso do vale pelo menos uma vez. Será que esse número é suficiente para condenar todo o sistema?”, questiona.