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‘Não há quem explique fala de Trump’, diz embaixador do Brasil nos EUA

O debate eleitoral no Brasil não tocou nas grandes discussões internacionais e na posição que o País adotará frente às mudanças no cenário de comércio exterior. “É uma pena”, diz o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Sérgio Amaral, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Quando se discute política econômica e industrial, seria interessante que houvesse um debate sobre as questões internacionais, porque elas vão ser relevantes.”

Em relação à declaração de Donald Trump de que é difícil negociar com o Brasil, ele diz que não vê razão para essa postura. “Ainda não consegui quem me explicasse (a fala de Trump).”

O que esperar da política externa, dado o que foi apresentado durante a campanha eleitoral?

É uma pena que o debate eleitoral no Brasil, seja no primeiro ou segundo turno, praticamente não tenha tocado nas questões relativas à política externa ou nas grandes questões internacionais. É compreensível que tenham se concentrado nas questões de interesse imediato da população: segurança, corrupção, economia. Mas, de qualquer forma, teria sido importante que esse debate pudesse ter incluído algumas questões internacionais, porque o mundo mudou rapidamente. Temos as implicações todas sobre globalização e relativas a comércio internacional, a volta das medidas bilaterais de comércio. Qual a nossa estratégia em relação a essas novas questões de comércio? Nós estamos numa fase que tenderá a fortalecer as medidas unilaterais? Há transformações grandes na América Latina: essa convergência entre Mercosul e Aliança do Pacífico vai criar um grupo de países que é muito importante. Como nós poderemos acelerar esse processo?

Mas o que seria saudável hoje: continuidade da política externa ou mudança de rumo?

Só o novo governo pode responder. A política externa tem de refletir as diretrizes principais da política interna. O que estou procurando dizer é que existem fatos novos na realidade internacional sobre os quais o País e o partido eleito terão de tomar uma posição. Quando se discute política econômica e industrial, seria interessante que houvesse uma participação no debate sobre as questões internacionais, porque elas vão ser relevantes.

Como é hoje o relacionamento do Brasil com os EUA?

O número de visitas, que era modesto, nos últimos meses aumentou substancialmente. Houve um intercâmbio grande de pessoas importantes e os projetos Brasil-Estados Unidos estão funcionando, o comércio continua crescendo, os investimentos avançaram. O que eu achava que deveríamos fazer nos EUA é a relação chegar, como chegou, a um ponto de maturidade. Estamos superando um processo pendular na relação em que a priori nós somos contra ou a priori somos a favor. Se você pegar a história das relações Brasil-Estados Unidos você vê esse processo de zigue-zague, de pêndulo. Em alguns momentos, tivemos declarações como “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, e em outros tivemos uma posição de desconfiança. Hoje estamos trabalhando numa linha que é: se nós concordamos com um item da agenda, não tem razão para não trabalharmos juntos. E, se não concordamos, não tem razão para não dizer.

O amadurecimento dessa relação é suficiente para evitar que o próximo governo tenha só um alinhamento ou só oposição?

Isso vai depender das decisões do próximo governo. Ele (próximo presidente) que imprimirá a direção da política externa. Acredito que não há razão para que as relações não sejam boas.

Há espaço hoje para um acordo de comércio entre Mercosul e EUA?

Isso é uma coisa prematura. Eu também já ouvi falar que haveria essa ideia. Eu acho que precisa ver o que entendemos como acordo de comércio. Se for um acordo de facilitação de comércio, certamente tem. Se for de convergência regulatória, acho que tem espaço. Mas se for um acordo de comércio, é preciso ver qual seria o objetivo. Nós temos um grande entendimento entre os setores empresariais Brasil-Estados Unidos. É um tema para haver um primeiro exame por parte dos grupos empresariais de todos os lados. A partir daí, é uma questão para o próximo governo avaliar o que seria interessante pelo lado brasileiro. Sobretudo porque essa avaliação vai caber ao próximo governo.

O Fernando Cutz, ex-conselheiro da Casa Branca, falou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a meta do próximo governo deveria ser tentar um acordo de livre-comércio com os EUA.

Isso é uma questão que precisa ser avaliada primeiro pelos setores comerciais. E é algo que o próximo governo precisará avaliar.

Cutz fala que o Brasil perdeu a relevância no cenário internacional, por exemplo.

Minha opinião é que nos dois últimos anos a relação com os EUA se ampliou, e num relacionamento que sempre foi muito positivo. Eu não tenho conhecimento de nenhum contencioso na relação Brasil e EUA. Temos convergências em questões de direitos humanos na América Latina, no que diz respeito ao tratamento de temas como a Venezuela na OEA. Temos diferenças também, mas são normais. Não podemos achar que temos de ter ou alinhamento ou oposição. Depende do assunto.

De onde saiu a fala do Trump sobre a dificuldade de negócios com o Brasil?

Não consegui quem me explicasse. Falei com algumas pessoas que disseram que isso não estava previsto no texto que foi dado a ele. Não há razão. Nossas relações comerciais são boas e temos tido déficit com os EUA em quase toda a última década. O Trump quis renegociar acordos com países com os quais os EUA têm déficit. Eles têm superávit conosco.

Se aproximar mais dos EUA só é possível hoje se houver um distanciamento com a China?

Estamos caminhando para um mundo cada vez mais multipolar, com uma competição com os países que representam os polos. São importantes parceiros do Brasil. Não temos razão para tomar partido nesses conflitos, mas ajudar a encontrar um caminho de solução, uma solução por via multilateral.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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