O governo destina menos de 5% do que arrecada com multas a empresas que lesam os consumidores e com as sanções aplicadas a quem agride o meio ambiente, o patrimônio histórico e outros interesses de coletividade para financiar projetos relacionados à reparação das infrações. A grande maioria da arrecadação do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD) vai para a conta única da União e é usada para cumprir a meta de superávit primário – economia feita para o pagamento dos juros da dívida.
A arrecadação do FDDD deu um salto nos últimos anos. Em 2011, as receitas do fundo somaram R$ 41,5 milhões. No ano seguinte, subiram para R$ 57 milhões e, em 2012, alcançaram R$ 120,3 milhões – recorde histórico. Até abril deste ano, a arrecadação do FDDD já supera os R$ 60 milhões.
O aumento significativo das receitas se deve à reformulação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com estrutura ampliada desde o fim de 2011, o órgão passou a dar respostas mais rápidas aos pedidos de fusões e aquisições. Com isso, ampliaram-se as receitas do fundo decorrentes de pedidos de análise do Cade, as chamadas taxas processuais, que chegam a R$ 45 mil para cada processo nos casos de atos de concentração.
A celeridade nos julgamentos do Cade também contribui para o incremento da arrecadação decorrente das multas aplicadas pelo conselho às companhias que infringiram boas práticas concorrenciais. Nos últimos anos, as condenações do Cade e os depósitos prévios que são exigidos para as análises dos processos respondem por cerca de 80% de tudo o que o FDDD arrecada.
Se as receitas do fundo vêm surpreendendo, a parcela dos recursos que é destinada a financiar projetos de interesse coletivo minguou nesse mesmo período. Em 2011, o governo separou R$ 11 milhões para esses projetos. No ano seguinte, a cifra recuou para R$ 8 milhões e, no ano passado, foi de apenas R$ 5,77 milhões, o mesmo montante destinado para este ano. Em outras palavras, menos de 5% de tudo o que o FDD arrecadou no ano passado vai ser usado neste ano para financiar projetos que visariam reparar as ações das empresas condenadas com multas administrativas ou judiciais. A Lei que criou o conselho gestor desses fundos diz que os recursos recolhidos deveriam servir prioritariamente para reparar os estragos causados à coletividade.
Fabrício Missorino Lázaro, presidente do conselho gestor desse fundo, reconhece que a destinação de apenas 5% de tudo o que é arrecadado é pouco, ainda mais pela quantidade de projetos que demonstram interesse em receber os recursos toda vez que o Ministério da Justiça, órgão ao qual está veiculado o fundo, abre seleção. “Nossa grande meta é que esse valor suba, nem que seja aos poucos, de 5% em 5%”, afirma. Segundo ele, é “plenamente possível” executar o dobro do que atualmente é destinado aos projetos. “A demanda é grande, muitos projetos ficam na fila de espera”, afirma.
A seleção dos projetos que vão receber os recursos desse fundo vai até o dia 16 deste mês. O conselho gestor, formado por representantes de cinco ministérios, do Cade, do Ministério Público e da sociedade civil, escolherá pouco mais de 20 projetos para receber, cada um, até R$ 444 mil. Os projetos devem visar a reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio cultural brasileiro e a outros interesses coletivos.
Nos últimos anos, a maior parte dos projetos financiados são enquadrados na proteção ao meio ambiente. “Essas ONGs estão há muito tempo na estrada, sabem fazer bons projetos e caçar os recursos”, explica Missorino. Segundo ele, o ministério pretende ampliar a participação de projetos de entidades da sociedade civil com atuação na defesa de outros interesses difusos, como a defesa do consumidor. “A área de concorrência é a que mais alimenta o fundo, mas é a que menos apresenta projetos”, constata.
Para o professor Marthius Sávio Cavalcante Lobato, do curso de Direito da UnB, da forma como se dá a utilização dos recursos retira a finalidade para a qual o FDDD foi criado: reparar as infrações causadas à coletividade. Ele diz que a aplicação da verba em projetos de variadas temáticas, selecionados por editais, sem nenhuma relação com os danos sofridos, faz com que o fundo perca o caráter reparador, principalmente para os que sofreram com o dano.
“Não discuto a necessidade dos projetos selecionados ou a sua importância, mas sim a real reparação dos danos causados aos cidadãos que sofreram os abusos”, explica o professor. Ele cita o exemplo de uma empresa que foi condenada a pagar multa ao fundo por não fornecer água por mais de sete dias a uma comunidade. A multa foi encaminhada ao fundo, mas a comunidade que ficou sem água não recebeu nenhum benefício direto da multa aplicada à companhia justamente para reparar a ação.
O Ministério da Justiça informou, por meio de nota, que, como o FDDD não possui despesa ou transferência obrigatória – como mais de 70% das receitas da União que estão comprometidas -, divide com outras unidades a obrigação de fazer economia para reduzir a dívida líquida e equilibrar as contas públicas. “A economia realizada limita a área de abrangência do FDDD, mas não diminui sua eficiência e eficácia”, diz a resposta. Segundo o ministério, nos últimos dois anos, o fundo financiou políticas envolvendo a aquisição e instalação de estações meteorológicas, a redução de emissão de gases de efeito estufa, a execução de obras essenciais à recuperação de igrejas e museus, a formação de brigadistas voluntários para combate a incêndios florestais, a conservação de sítios arqueológicos, o fortalecimento do movimento civil de defesa dos consumidores, a proteção de comunidades indígenas, entre outros projetos.
O Ministério do Planejamento, por sua vez, afirmou que os recursos arrecadados pelo FDDD são aplicados em ações e políticas definidas no âmbito e no escopo do fundo. Os recursos que não forem gastos em determinado ano constituem superávit financeiro legalmente vinculado à finalidade do fundo, ainda que sejam utilizados em anos subsequentes, informou o órgão.