A nova lei que permite a diferença de cobrança para compras em cartão ou em dinheiro, sancionada pelo presidente Michel Temer na última segunda-feira (26), está sendo questionada por especialistas em direito do consumidor. A percepção é que a regra, que pretende aquecer o comércio, possa acabar sendo desvantajosa para os clientes.
A norma, que entrou em vigor na data da publicação, tem origem na Medida Provisória 764 de dezembro de 2016 e vai na contramão de outras propostas legislativas que tramitam no Congresso e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A diferenciação na cobrança entre compras com dinheiro e com cartão seria uma maneira de compensar os comerciantes pelas cobranças que as operadoras financeiras fazem para as compras no crédito ou no débito. Mas a advogada Andressa Jarletti, diretora adjunta da região sul do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), destaca que, em 2015, o STJ já havia considerado a cobrança diferenciada como abusiva. Ela relembra ainda que o Projeto de Lei 3515/2015, que tramita na Câmara dos Deputados propõe justamente o contrário, com a proibição da diferença na cobrança devido à forma de pagamento.
Além do entendimento divergente do Judiciário e no próprio Legislativo, Andressa pontua alguns aspectos que deveriam ser observados: primeiro, há um levantamento de quantos consumidores compram com dinheiro e no quanto isso impactaria no comércio? Além disso, como fica a questão da segurança? Cada vez mais, as pessoas evitam circular com valores elevados de dinheiro. Para a aquisição de bens de custo mais alto, o preço cobrado em dinheiro seria praticamente fictício – poucos se arriscariam a levar dinheiro.
Um terceiro questionamento é o quanto se paga para utilizar os serviços das operadoras de cartão. Haveria transparência? Como os valores variam entre crédito e débito e de uma instituição financeira para outra, há grandes chances de o consumidor ser onerado sem saber pelo que está pagando.
Em nota, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) classifica a prática da cobrança diferenciada como abusiva e afirma que: “Ao elevar o preço do produto para quem paga com cartão, o lojista repassa ao cliente de forma indevida custos que são dele, como os relacionados à manutenção das máquinas e ao prazo imposto pela administradora para liberar os recursos”. Para o instituto, esses custos já estão contabilizados no preço normal do produto.
O Idec lembra ainda que a nova lei não traz alterações em relação à exigência de compras em um valor mínimo para o uso do cartão – prática que continua vedada. “Esta regra não foi alterada pela medida provisória e, assim, os estabelecimentos continuam proibidos de fazer esse tipo de exigência”, diz a nota.
Ponto positivo
Assim como permite a cobrança diferenciada dependendo do modo de cobrança, a nova lei também permite que valor varie conforme o prazo de pagamento. Essa previsão é considerada positiva por Andressa Jarletti: “Economicamente não existe pagamento a prazo sem juros”, diz a diretora regional do Brasilcon. Ela explica que, na prática, muitas vezes a cobrança acaba sendo abusiva porque o consumidor que paga à vista paga o preço com juros. “A compra à vista nunca pode corresponder ao valor a prazo. É um direito do consumidor exigir um preço diferente”.
Conheça a lei
Art. 1º Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.
Parágrafo único. É nula a cláusula contratual, estabelecida no âmbito de arranjos de pagamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput.