Mordida do Leão na classe média só aumenta

Chegou a hora de o contribuinte brasileiro entrar na arena e acertar as contas com o Leão. Começa segunda-feira o prazo para a entrega da declaração do Imposto de Renda (IR), que pesa mais a cada ano no bolso. Um estudo da Ernst & Young, com base em dados desde 1995, mostra que a mordida na classe média ficou maior após o Plano Real, que estabilizou a inflação. Nas famílias com ganho mensal hoje em torno de R$ 2.840 – e que usam a declaração completa – a carga tributária mais que triplicou no período, passando de 1,39% para 4,66% da renda. Pelo modelo simplificado, a tributação sobre os rendimentos passou de 4,24% para 7,13% no período (68% a mais). Já as famílias com renda menor, de R$ 1.700, saíram da isenção para uma tributação de 2,69% da renda no ano passado.

Rio (AG) – Para o estudo, a Ernst & Young considerou um contribuinte que teve seu salário, desde 1995, reajustado no mês de janeiro com base na variação do IPCA do ano anterior – 100,64% em nove anos. Os tributaristas utilizaram perfis de famílias semelhantes, com contribuinte e dois dependentes, despesas médicas e com educação. A distinção é dos gastos com saúde e instrução e da renda anual: contribuinte A (ganho de R$ 20.464,82); B (R$ 34.148,17); C (R$ 296.860,40; e D (R$ 445.290,59).

– Os contribuintes que ganham, por ano, R$ 20 mil e R$ 34 mil são os mais sensíveis à alteração ou à falta de ajuste na tabela do IR – explica o sócio da Ernst & Young José Rainho Silva, referindo-se aos contribuintes A e B, respectivamente, da simulação.

De 1996 para 1997, por exemplo, o grupo B viu sua carga tributária subir de 1,47% para 2,50%, se fez a declaração completa.

São justamente as faixas de renda menor na classe média que sofrem com a não-correção da tabela do IR, mostra o estudo da Ernst & Young. Para o contribuinte que ganha R$ 34 mil por ano, em 2002, a correção da tabela fez o imposto devido cair de R$ 1.250 para R$ 1.100. Em 2003, porém, a carga tributária voltou a subir, porque houve reposição salarial sem que a tabela fosse atualizada.

Ainda no caso do contribuinte B, com renda anual de R$ 34 mil hoje, o imposto foi progressivamente tomando fatias maiores do orçamento. Para o trabalhador cujo salário, no Real, acompanhou a inflação, o imposto a pagar passou de R$ 236,25 para R$ 1.591,13 ano passado. Esse aumento ocorreu para quem declarou no formulário azul (modelo completo).

O contribuinte A, com faixa de renda em torno de R$ 20 mil anuais, só escapou de pagar imposto se declarou pelo modelo completo. Se escolheu o simplificado, ele saiu da isenção para uma mordida de 2,69% da sua renda.

Nas faixas de renda mais alta, no entanto, a tributação permanece constante, em torno de 25% dos ganhos, independentemente de o contribuinte declarar pelo modelo simplificado ou pelo completo.

É o que acontece com Nadir Carreira, de 59 anos, com renda mensal de R$ 3.500 (R$ 42 mil anuais), somando as aposentadorias do INSS e o plano de previdência privada. Em 1997, ela ganhava R$ 36 mil por ano e ainda tinha restituição de R$719 após as deduções de três dependentes (mãe, filha universitária e marido, sem emprego) e gastos médicos. Hoje, com as mesmas deduções, Nadir tem que desembolsar R$ 641 de imposto.

– Usava a restituição para quitar dívidas que surgiam ao longo do ano. Hoje tenho de pagar, além de ter R$ 3.194 retidos na fonte. Sou obrigada a parcelar em seis vezes o valor do imposto, para não pesar no orçamento mensal – conta Nadir.

E a situação deve piorar. Com os dados de Nadir, na hora em que for apresentar sua declaração este ano – em que não houve atualização da tabela – a carga terá aumentado porque as aposentadorias sofreram correção, lembra Renata Vazquez, gerente de consultoria tributária da Ernst & Young.

Renata lembra que, devido a diferenças de valor a pagar ou a restituir de imposto, dependendo do formulário usado na declaração, é importante fazer as simulações nos dois modelos (simplificado e completo). Para quem declara o imposto usando o programa da Receita, essa simulação é feita automaticamente. O programa (disponível no www.receita.fazenda.gov.br) se encarrega de informar ao contribuinte a opção mais vantajosa. Este ano, uma das mudanças feitas pela Receita é a obrigatoriedade de declarar pela internet para quem tem renda acima de R$ 100 mil anuais.

– O contribuinte deve somar o total das despesas dedutíveis do IR e comparar com o desconto-padrão, que é de 20% sobre a renda total. Só é vantagem fazer a declaração completa quando a soma ultrapassa o percentual. No caso do contribuinte A, é melhor fazer a declaração completa. Com as deduções, o contribuinte acaba isento – ensina Renata.

Se os contribuintes perdem ou ganham com alterações na tabela do IR, o mesmo não acontece com o que arrecada a Receita Federal. É que, depois de passar tanto tempo sem corrigir a tabela do IR, a Receita aumentou a base de contribuintes e a tributação sobre expressiva parcela das pessoas físicas, diz a Ernst & Young. A não-correção da tabela acabou fazendo com que contribuintes que, após o Plano Real, eram taxados na alíquota mais baixa, de 15%, passassem a ser tributados pela mais alta, de 27,5%.

Atenção no preenchimento

Para escapar da malha fina, os contribuintes terão que tomar cuidados redobrados na hora de preencher a declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física 2004 (ano-base 2003). A partir de agora, será obrigatório incluir nos documentos o Cadastro da Pessoa Física (CPF) ou o CNPJ de prestadores de serviços médicos e de ensino. Se o contribuinte deixar de fora ou incluir esses dados incorretamente, o programa do IR vai mostrar um alerta avisando que a declaração pode ficar retida em malha.

Segundo o supervisor nacional do IR, Joaquim Adir, a medida será tomada para que a Receita tenha um controle maior sobre a movimentação dos contribuintes. Ele explicou que muitas pessoas utilizam recibos médicos falsos para conseguir restituições maiores.

Outro cuidado a ser tomado na declaração é com informações relativas aos dependentes. Os contribuintes terão que detalhar os gastos com cada dependente e considerar o limite de deduções – de R$ 1.998 – individualmente.

– Quem tenta transferir despesas de um dependente para outro para ter direito às deduções poderá ficar na malha – alerta Adir.

Também é preciso incluir todas as fontes pagadoras na declaração, além de observar com atenção o Informe de Rendimentos, que é entregue aos contribuintes por seus empregadores.

– Se os dados da fonte pagadora e seus funcionários não forem compatíveis, as declarações ficarão retidas – afirma o supervisor.

Segundo ele, a intenção da Receita é a cada ano reduzir a quantidade de documentos retidos na malha fina. De 2002 para 2003, esse número baixou de 1,4 milhão para 530 mil.

Outra dica de Adir é que os declarantes optem pelo uso da entrega da declaração do IR por meio eletrônico. Isso porque, desta forma, o preenchimento evita erros. Ele explicou que, em muitos casos, os contribuintes ficam em malha porque os técnicos da Receita não conseguem identificar o que está escrito no documento de papel.

Para reduzir os documentos em papel, a Receita vai obrigar, este ano, a entrega da declaração por meio eletrônico para contribuintes que, no ano passado, tiveram rendimentos acima de R$ 100 mil ou que tiveram rendimentos tributáveis de ganhos de capital (venda de bens móveis ou imóveis), na atividade rural ou em renda variável, como operações em bolsas de valores.

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