Brasília – O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, está decidido a acabar com o monopólio das três operadoras de telefonia fixa que dividem regionalmente a prestação do serviço no País. Ele conta que já informou pessoalmente às empresas que o setor passará a ter competição e preços livres. A indexação das tarifas pelo IGP-DI, prevista nos contratos de concessão, e a reserva de mercado vão acabar. Em guerra declarada contra os aumentos exorbitantes nas tarifas, o ministro diz que o País terá uma política de telecomunicações. Segundo Miro Teixeira, as elevadas alíquotas de ICMS cobradas pelos estados nos serviços de telefonia devem entrar na discussão da reforma tributária e podem já estar com os dias contados.
Como foi o clima da reunião com as empresas de telefonia, três dias depois de o senhor dizer que não vai permitir o reajuste de tarifas pelo IGP-DI?
Miro Teixeira: Disse a eles: “Vocês souberam pela imprensa de uma determinação deste ministério de defender algo que para os senhores não pode ser surpreendente, porque são dois pilares do capitalismo ? a competição e o preço livre”. Esta é a maneira de fazermos com que não se organizem, não perdurem e não persistam os monopólios, como acontece hoje na telefonia fixa, e os serviços sejam prestados ao consumidor a custos mais baixos. Disse a eles ainda que os custos também são muito elevados pela tributação do ICMS e sugeri que passem a dar mais destaque nas contas aos valores cobrados pelos estados como impostos. Vem aí uma reforma tributária e é preciso motivar os cidadãos para ela. A vida de cada um está muito onerada pelo excesso de impostos.
De quanto poderia ser a redução inicial nas tarifas?
Miro – Temos uma discussão complexa pela frente, porque é preciso olhar também a reforma tributária. Se for adiante o que me disse o governador do Ceará, Lúcio Alcântara, esta discussão pode até ser feita antes no Confaz (Conselho de Política Fazendária). Ele me disse que vai reduzir o ICMS da telefonia no Ceará. É uma redução importante. Em alguns estados, o ICMS está entre 30% e 35% sobre a conta. Ele reduz no estado dele e divulga isso para criar um mecanismo de pressão social.
Nenhuma empresa reclamou da intenção do governo de interferir no reajuste?
Miro – Eu afirmei a eles a disposição de, na renovação dos contratos, que vigorarão por 20 anos, de 2006 a 2026, e é bom que se fale para ver a gravidade do que estamos discutindo, não vamos admitir indexação. Nós não vamos admitir o monopólio que existe hoje na telefonia fixa. Nós queremos competição, queremos preços livres. E, obviamente, numa situação assim, a regulação do estado tem que existir para garantir que os preços sejam justos.
E a curto prazo, o que será feito para diminuir o peso do reajuste das tarifas?
Miro – Você tem uma malha telefônica por onde passa o sinal da concessionária, mas ela também pode receber tráfego de outra empresa prestadora de serviço. Isso significa compartilhar a rede, o que tecnicamente é chamado de desagregação da rede. Um prestador de serviço pode chegar numa determinada área, quer seja da Brasil Telecom, da Telemar ou da Telefônica, e dizer que quer vender serviço de telefonia fixa. Este concessionário é por lei obrigado a alugar a rede. Acontece que hoje ele coloca isto a um preço que torna impraticável a competição na telefonia fixa. Eu asseguro que serão criadas as regras para acabar com isso. Podemos trabalhar até com as regras existentes para criar condições de competição já.
Como isto será feito?
Miro – Eu contei no auditório da Telefônica uma história do doutor Tancredo Neves em Washington durante um almoço oferecido pelos credores da dívida externa brasileira. Ele começou o discurso dizendo: “Eu não cometerei com os senhores a indelicadeza de pronunciar uma palavra: prejuízo”. Todos ficaram de pé e bateram palmas. Depois que sentaram, ele disse: “Mas a dívida externa não será paga com o sangue do povo brasileiro, vamos negociar”. Usei este fato para ilustrar a disposição do governo de negociar.
Como vai funcionar a política de telecomunicações?
Miro – Que fique claro que não estamos falando de nada agressivo. O capital estrangeiro é bem-vindo, tem até que aumentar seu fluxo de investimentos no Brasil. O capital nacional precisa ser estimulado a entrar mais nas atividades de telecomunicações. Desejamos que todos gerem muitos empregos, tenham seus lucros e paguem impostos. O estado não existe para atrapalhar as empresas. A organização justa de uma política de telecomunicações dará às empresas a segurança de que não existe atuação parcial do estado brasileiro, de que não haverá favorecimento a qualquer competidor.
E para o consumidor, como isso vai garantir preços menores?
Miro – Já tive notícias de que surgem tecnologias de ligações locais que permitem chegar quase a um custo zero. É fundamental que o conjunto de empresas operando no Brasil não perca este passo tecnológico que vai favorecer o consumidor.
O aumento da competição vai passar por novas licenças dadas pelo governo?
Miro – Eu falei de novas tecnologias e poderia falar também de um plano de outorgas. Em outra oportunidade poderemos falar disso. Neste momento, estou falando em negociação.
Nesta negociação, como o senhor vai rebater o argumento de que o reajuste pelo IGP-DI é um direito estabelecido por contrato?
Miro – Qualquer um tem direito a dizer que meu contrato é este e quero cobrar 34% e eu também terei o direito de não me resignar dentro da Constituição e das leis. Ninguém vai poder dizer aí que eu arbitrariamente quero ofender termos do contrato. Caímos na questão da indexação, que não pode haver. O Brasil já fez política de indexação de todos os preços na economia, para horror dos economistas que enxergavam a realimentação inflacionária que daí decorreria. Surge depois o discurso da desindexação plena, que recentemente foi reescrito para a desindexação de alguns preços, a começar pelos salários. Agora, o que vivemos é a pregação da indexação de tarifas. Isso acabou, acabou.
O senhor tem respaldo para levar a discussão adiante?
Miro – Recebi manifestações de apoio tanto do setor público quanto do privado. O presidente do BNDES, Carlos Lessa, me ligou durante uma reunião de diretoria do banco, para dizer: “Você está indicando o caminho, estamos absolutamente juntos nesta postura”. Também me ligou o doutor Ivoncy Ioschpe, presidente do Iedi, entidade que reúne expressivos empresários brasileiros, me cumprimentando pela decisão. E soube que nos prédios do Banco Central e do Ministério da Fazenda houve apoios entusiasmados.
A liberação dos recursos do Fust para as empresas será utilizada na negociação?
Miro – Quando você fala em negociação, você não pode fechar portas. Eu não receberia como fator de negociação a utilização do Fust. Mas é uma indelicadeza você ir para a mesa de negociação com pré-condições. Neste caso, você não quer negociar. A condição fundamental para uma negociação é as partes estarem dispostas a se mover.
As empresas demonstraram esta disposição?
Miro – Vamos entender que elas têm acionistas, têm reunião de diretoria, têm conselhos. Eu já li a disposição da Embratel de negociar e um representante da Telemar me disse: “Nós vamos lhe procurar para tocarmos este assunto da negociação”.
A Anatel vai participar da negociação?
Miro – A Anatel participará sem dúvida alguma. O presidente da Anatel (Luiz Guilherme Schymura) foi o primeiro a me dar um trabalho de projeção do IGP-DI, com o alarmante índice de junho, com variação de 30% a 34%. Eu não tomaria jamais qualquer atitude que excluísse a presidência da Anatel. De 1995 a 2002, o IPCA subiu 100,68%, e a telefonia fixa, 509,70%. Se você olhar de 1999 a 2002, o IPCA foi de 39,88% e a telefonia fixa foi reajustada em 48,83%.
E as alegações das empresas, de que mudanças nas regras dos reajustes podem abalar seu equilíbrio econômico-financeiro?
Miro – O equilíbrio econômico-financeiro é uma expressão retirada do Direito americano, de um país que tem estabilidade monetária, regras competitivas de mercado e meios de estimular que a margem de lucro assegurada aos investimentos é pelo menos igual à margem de lucro dos investimentos financeiros. Aplicar isso no Brasil, com os juros que somos obrigados a ter, seria aumentar a inadimplência dos cidadãos e o número de falência das empresas. O primeiro equilíbrio que tem de ser buscado é entre custos, lucros e qualidade dos serviços prestados.