As classes C, D e E podem dividir a base da pirâmide, mas não lidam com questões financeiras da mesma maneira. Essa é outra constatação da pesquisa realizada pela consultoria Plano CDE. Apesar de ter mais renda, a classe média – aquela que puxou o consumo nos últimos anos – demonstra menos habilidade do que os mais pobres para lidar com as contas.
A Plano criou três perfis de relacionamento de orçamento familiar. O organizado (faz a gestão de ganhos e gastos, se priva e, quando consegue, poupa). O desorganizado (não sabe quanto ganha ou gasta e entra no vermelho regularmente). O orientado pela dívida (que destina tudo que ganha ao pagamento das contas e vive com a corda no pescoço).
Apesar de serem considerados mais arriscados pelo sistema financeiro, porque têm renda inferior, os mais pobres se mostram bem mais organizados – 71% têm controle rigoroso das finanças.
As famílias de classe média que participaram da pesquisa tiveram um comportamento bem diferente – 22% se mostraram desorganizados e 28%, orientados pelas dívidas. Ou seja: metade deste grupo teve problemas para pagar as contas.
“Não podemos expandir o dado para o Brasil e dizer que metade da classe média, que reúne 98 milhões de pessoas – incluindo os 64 milhões de classe C – estão nessa condição”, diz Luciana Aguiar, sócia diretora da Plano CDE. “Mas é possível dizer que há uma forte propensão a esse comportamento.”
Na avaliação de Luciana, vários fatores contribuem para colocar a classe média nessa situação, além do fato de a renda oscilar. A falta de instrumentos financeiros adequados é uma delas. A classe média hoje recorre muito, por exemplo, ao cartão de crédito. Integrantes da pesquisa tinham cinco, alguns até dez cartões, que funcionavam como cheque especial.
Essa ineficiência também foi percebida em outras pesquisas. O SPC Brasil, empresa de cadastro de crédito, identificou no final do ano passado que 47% dos inadimplentes eram da classe C e estranhou o dado. “Na nossa avaliação, esse dado mostrou que a classe C não consegue se blindar com alternativas de crédito e rolagem de dívidas, como as classes A e B”, diz Luiza Rodrigues, economista do SPC.
Dívidas
Há também questões comportamentais. As famílias que participaram da pesquisa responderam a 1.107 entrevistas. Nesses momentos, muitas diziam não ter dívidas. Mas, ao olhar em detalhe o orçamento nos diários financeiros, a Plano encontrava as dívidas.
“Definitivamente a noção de dívida entre os mais pobres não é a mesma dos economistas”, diz Luciana. “Para eles, dívida é o que não conseguiram pagar – se renegociou ou parcelou um bem, não é dívida. O pagamento pode estar até atrasado, mas a pessoa só considera dívida quando decide que não vai pagar mesmo.”
Essa classe também ampliou sua cesta de compras. Agora paga internet, TV por assinatura, plano de saúde, colocou o filho na escola privada, comprou uma moto, mas o supermercado ainda é o item que mais pesa no orçamento – 27% dos gastos. Essa composição faz com que essas pessoas fiquem mais fragilizadas diante de oscilações da economia. “À medida que avança, a camada mais baixa permanece sentindo a alta de preços dos produtos básicos, como alimentos, mas também passa a sentir parte da inflação de serviços. E sofre com as duas”, diz o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Nailda Santos do Nascimento, 49 anos, está com dificuldades para lidar com os novos tempos. Ela tem carteira assinada e recebe por hora para cuidar da limpeza de um condomínio. Com os descontos, são pouco mais de R$ 500 por mês. Mas a sua principal fonte de renda é a pensão como viúva – R$ 1,6 mil. Com a renda de R$ 2,1 mil sustenta três filhas, numa casa própria em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo.
Em meados do ano passado, quando os gastos foram ficando maiores que os ganhos, começou a usar os cinco cartões de crédito que recebeu de lojas e bancos sem pedir, mas guardara para emergências. A dívida nos cartões passa de R$ 6 mil – o triplo de sua renda. Primeiro usou para pagar prestações atrasadas da faculdade da filha, depois para despesas pessoais e, por fim, os cartões bancaram a reforma da casa, que teve a estrutura abalada por uma infiltração do imóvel vizinho.
“Nunca tive o nome sujo porque, quando vejo que não vou conseguir pagar, renegocio, mas desta vez eu acho que não vou conseguir. Estou vivendo dos cartões e não saio mais do vermelho.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.