Em um rápido processo de negociação, os chanceleres dos quatro países do Mercosul concluíram ontem os termos do acordo de adesão da Venezuela ao bloco. O texto, que será assinado hoje, durante a XXIX Cúpula do Mercosul, traz um curioso conteúdo: a adesão política do país, regido por Hugo Chávez, será mais rápida que sua convergência para as normas do livre comércio e da união tarifária do Mercosul, que deverão ser desenhadas e apresentadas entre o final de 2006 e meados de 2007.
Montevidéu (AE) – Segundo um dos negociadores, a Venezuela estará presente, a partir de amanhã, em todas as reuniões do Mercosul, inclusive no Conselho do Mercado Comum (CMC), a instância máxima de decisões, que é composto pelos presidentes e ministros. Nesse caso, Chávez e seus sucessores terão voz, mas não voto. Ou seja, poderão influenciar as decisões, porém não estarão aptos a participar delas. Pelo menos, até que se conclua o processo total de adesão. Esse foi um dos pontos que o Paraguai teve o cuidado de insistir, durante as negociações, por temor de uma adesão plena incompatível com os compromissos.
A rigor, dentro de 60 dias, o Mercosul deverá encaminhar a Caracas o conjunto das normas adotadas pelo bloco. Somente em 15 de maio de 2006, o Grupo de Trabalho que cuidará da adesão deverá ter sua primeira reunião. A partir daí, terá de apresentar em 180 dias as fórmulas para a convergência da Venezuela às regras do bloco, em especial, à Tarifa Externa Comum (TEC) e ao sistema de livre comércio. O prazo, entretanto, pode ser prorrogado por mais 180 dias.
Os chanceleres tiveram o cuidado de estudar a adesão da Venezuela de forma que as exigências venham a ser as mesmas para qualquer país que, no futuro, pleiteie o ingresso no bloco. Isso foi realizado na forma da regulamentação do artigo 20 do Tratado de Assunção, que prevê a expansão dos membros plenos do bloco. Um dos possíveis candidatos é a Bolívia. O Chile, que já apresentou um pedido, não chegou a iniciar as negociações porque sua estrutura tarifária era bem mais simples e menos protecionista que a TEC, do Mercosul.
O México pleiteou uma aproximação política, que seria complementada com a negociação do acordo de livre comércio com o Mercosul – hoje em dia, cada país do bloco tem seu acerto comercial com o governo mexicano. Essa hipótese foi praticamente abortada com a adesão apressada da Venezuela nesta Cúpula e pelas brigas públicas entre Chávez e o presidente do México, Vicente Fox. Em princípio, o chanceler mexicano, Luis Ernesto Derbez, pretendia comparacer a Montevidéu, como observador dessa reunião. Mas foi devidamente aconselhado a não embarcar.
Em outra questão um tanto polêmica, os chanceleres decidiram que o Parlamento do Mercosul começará a funcionar antes de 31 de dezembro de 2006, em duas etapas. Na primeira, até o final de 2010, cada país do Mercosul terá 18 deputados. Na segunda, que começará em 1.º de janeiro de 2011, será aplicada uma fórmula de representatividade ainda não conhecida – deverá ser negociada até o fim de 2007. Sabe-se apenas que, para essa etapa, os deputados deverão ser eleitos por voto universal e secreto. O governo brasileiro insiste que haja maior proporcionalidade entre o número de cadeiras para cada país e sua população e também para que as eleições coincidam com as campanhas eleitorais do Brasil.
Bolívia
O jornal portenho Ámbito Financiero afirmou na edição de ontem que o governo Kirchner, depois de ter pressionado a favor da entrada da Venezuela no Mercosul, está interessado no ingresso da Bolívia no bloco comercial, caso o líder cocaleiro Evo Morales, candidato presidencial do partido Movimento Ao Socialismo (MAS), vença as eleições presidenciais das próximas semanas.
Morales, tal como Chávez, possui afinidades políticas com Kirchner. Além disso Kirchner, tal como no caso venezuelano, está interessado na produção de gás e petróleo da Bolívia. Esse interesse cresceu nos últimos tempos, já que recentemente especialistas mundiais indicaram que as reservas de hidrocarbonetos argentinas estão próximas do final. Na semana passada, a candidatura de Morales foi respaldada enfáticamente pelo presidente Lula.
Especialistas têm visões diferentes sobre Venezuela
Brasília (ABr) – A decisão do Mercosul de permitir a entrada da Venezuela no grupo como membro-pleno divide a opinião de alguns cientistas políticos. A novidade ?seria muito bem-vinda?, na opinião de Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-Americano do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Já Ricardo Caldas, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Unb), acredita que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ?tem interesse de entrar no Mercosul simplesmente por uma questão pessoal, de situação de poder?.
Segundo o embaixador José Eduardo Felício, subsecretário-geral da América do Sul do Itamaraty, a Venezuela já pode sair da 29.ª Reunião de Cúpula do Mercosul como um ?membro em via de adesão? do grupo. A reunião começou ontem e termina hoje, em Montevidéu, capital uruguaia. Para Felício, o ingresso da Venezuela vai fortalecer o grupo e facilitar a integração do Mercosul com o outro bloco econômico sul-americano, a Comunidade Andina.
Na opinião de Ricardo Caldas, Chávez vê no Mercosul um ?palanque gratuito? para que seu discurso tenha acesso internacional. Ele afirmou que a Venezuela está em ?pleno auge de neopopulismo?.
Marcelo Coutinho disse ter uma visão ?mais prática?. Ele destacou que a Venezuela, além de ser uma potência energética, é a terceira maior economia da região. ?Isso é fundamental para o desenvolvimento do bloco?, afirmou. ?Temos que lembrar que Hugo Chávez é passageiro e as reservas de petróleo da Venezuela não são?, destacou.
Coutinho lembrou que a Venezuela ainda deve ratificar acordos do Mercosul e adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) para se tornar membro-pleno do grupo. ?Aderindo ao Mercosul, o Tratado de Livre Comércio da Venezuela com a Comunidade Andina terá que ser renegociado. Isso leva tempo?, explicou. A Comunidade Andina é formada pela Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.
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