Os negócios na construção civil estão mais lentos do que o esperado por empresários, que passaram a rever suas estimativas de crescimento para 2014. Os problemas no setor provêm principalmente do desempenho fraco da economia brasileira e do calendário marcado por datas que desviam a atenção de consumidores, como o Carnaval tardio (realizado em março), a Copa do Mundo e as eleições.
Na cidade de São Paulo, maior mercado imobiliário do País, as vendas de imóveis residenciais novos acumuladas entre janeiro e maio foram de 7.982 unidades, 41,4% inferiores ao mesmo período do ano passado. No período, os lançamentos chegaram a 8.947 unidades, recuo de 14,0%. Esses resultados estão abaixo da expectativa inicial do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), que esperava que as vendas e lançamentos em 2014 ficassem estáveis ante 2013.
“Os números estão muito abaixo do que esperávamos. A chance de ter que rever um pouco pra baixo nossas projeções no ano é real”, afirmou o presidente do Secovi-SP, Cláudio Bernardes. “A quantidade de visitas aos estandes está semelhante à do ano passado, mas o número de conversão de vendas caiu bastante. As pessoas têm mais preocupação sobre o futuro, o que tem lhes dado mais cautela antes de fechar os negócios”, avaliou.
Bernardes disse que as empresas já contavam com o efeito negativo da economia mais fraca e do calendário neste ano, mas admitiu que esses fatores foram piores do que as expectativas. “O que pesou foi o dimensionamento do impacto dos fatores já previstos”, explicou, citando o excesso de feriados em várias capitais, e o clima de incerteza por conta das eleições.
O esfriamento do mercado respingou no preço dos imóveis, que cresce cada vez menos. De acordo com a pesquisa FipeZap, o preço das moradias na cidade de São Paulo acumula alta de 4,41% no primeiro semestre. O montante é quase um terço do verificado nos últimos 12 meses, quando bateu os 12,3%, o que demonstra forte desaceleração.
“Uma boa parte da culpa pelo desaquecimento do mercado imobiliário está mesmo na atividade mais fraca da economia brasileira de um modo generalizado”, afirmou o coordenador da pesquisa FipeZap, Eduardo Zylberstajn. “Mas os preços dos imóveis subiram muito, então hoje tem de fato menos gente em condições de pagar por eles”, ponderou.
Zylberstajn disse também que as condições para compra da habitação pioraram do ano passado para cá, com juros mais caros. Conforme dados do Banco Central, a taxa média de juros do financiamento imobiliário passou de 7,84% ao ano em maio de 2013 para 9,52% ao ano em maio de 2014. “O crédito ainda é um facilitador, mas ele já não consegue mais aumentar o poder de compra como ocorreu no passado”, ressaltou.
Cortes
Caso o Secovi-SP confirme o ajuste nas suas projeções, ele vai se juntar a outras três entidades. Em maio, a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) baixou de 4,5% para 3,0% sua estimativa de alta no faturamento em 2014. Depois dela, foi a vez do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) reduzir de 2,8% para a faixa de 1,0% a 2,0% sua previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do setor neste ano.
A última a ajustar seus números, na semana passada, foi a Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), que cortou praticamente pela metade sua projeção de avanço no faturamento em 2014, passando de 7,2% para 3,5%.
“O varejo de materiais depende muito de cada dia de venda. E os feriados causaram uma perda muito grande”, disse Cláudio Conz, presidente da Anamaco. “E há um estado de espírito ruim, um certo temor sobre como a economia brasileira vai andar. Isso afetou as vendas”, completou, citando que muitas obras para reformas e ampliações de residências foram adiadas. Entre janeiro e junho deste ano, as vendas de materiais de construção foram 3,5% menores do que nos mesmos meses do ano passado.
Já para o Sinduscon-SP, a decisão de rever suas estimativas se baseou na queda no ritmo de crescimento do número de trabalhadores no setor. No fim de maio, havia 3,525 milhões de pessoas empregadas na construção no País, montante apenas 0,42% maior do que no mesmo mês de 2013.
“A estabilização do nível de emprego reflete a retração no crescimento dos investimentos”, afirmou Sérgio Watanabe, presidente do sindicato. “No caso da cidade de São Paulo, onde o nível de emprego na construção voltou ao patamar de um ano atrás, as incertezas com relação ao Plano Diretor também pesaram”, completou, referindo-se à mudança na legislação que aumentou as restrições para uso dos terrenos e tamanhos das edificações na capital paulista.
Perspectivas
Os próximos meses de 2014 ainda preocupam os empresários porque não há perspectiva de melhora no quadro econômico do País no curto prazo. No entanto, alguns fatores podem ajudar os negócios da construção.
Conz, da Anamaco, acredita que muitas obras residenciais adiadas no primeiro semestre ainda serão colocadas em prática nos próximos meses. Outro ponto importante, segundo ele, é que os fundamentos que sustentam tanto a comercialização de materiais de construção quanto de imóveis continuam consistentes, com bons níveis de emprego e renda da população, além de disponibilidade de crédito. “Não é uma situação de desastre para o setor. Um pouquinho de sinalização positiva e os negócios voltarão a melhorar. Isso deve acontecer depois da Copa”, afirmou.
Bernardes, do Secovi-SP, lembrou que as vendas e lançamentos de imóveis costuma ser maiores no segundo semestre, com tendência de recuperação após as férias de julho. Em relação aos preços, ele admitiu que pode haver reduções pontuais em alguns bairros de São Paulo onde os valores das unidades e os estoques estão mais elevados. “Em algumas regiões, o preço pode estar mais esticado, então pode ter algum ajuste. Mas não é um processo generalizado na cidade”, afirmou.