São Paulo
– Gestores e analistas da indústria de fundos de investimento passaram praticamente todo o dia de ontem digerindo as novas medidas anunciadas anteontem pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Embora consideradas corretas dentro do cada vez menor arsenal de instrumentos do BC para enfrentar a crise, ainda restam dúvidas sobre a eficácia das medidas no sentido de conter a sangria dos fundos e de criar a demanda necessária por papéis públicos para que as rolagens futuras não apresentem problemas.Os analistas dizem que a evasão dos bilhões de reais da indústria de fundos poderá ser parcialmente estancada com as medidas. “Grande parte da população não entendeu a marcação a mercado e iniciou os saques por conta das perdas que as cotas começaram a registrar. Ainda que também não tenham entendido as medidas de ontem, essas perdas pelo menos deixarão de existir e, em tese, os saques devem recuar”, afirma o diretor de Asset e Pesquisa Econômica do Inter American Express, Marcelo Allain. O que não quer dizer, no entanto, que os investidores voltarão a aplicar recursos neste mercado, diante de um cenário de absoluta falta de confiança sobre a economia e sobre a próxima gestão de governo.
“A volta das cotas corrigidas pela curva de preço dos papéis garante o arrefecimento da volatilidade e das pesadas perdas que vinham alimentando os saques, mas não eliminam em nada o risco político”, sublinha o gestor de fundos de um grande banco estrangeiro. “O investidor mais sofisticado, sobretudo, saberá que sua cota no fundo DI poderá não estar refletindo a realidade da turbulência econômica e cobrará de seu gestor se os papéis estão ou não marcados.”
Outros analistas afirmam que a volatilidade das cotas será certamente reduzida, mas alertam que muitos fundos ainda deverão carregar parcela de papéis mais longos do que um ano em sua carteira, marcados a mercado e, portanto, sujeitos a oscilações que podem contaminar os índices de volatilidade.
Com as novas medidas do Banco Central e CVM, acredita-se também que os administradores de recursos terão maior apetite nas trocas de papéis mais longos por papéis curtos. Dessa maneira, lembra o analista de fundos da Moody?s Norton Torres de Bastos, as carteiras dos fundos de investimento ficariam mais semelhantes, com grande quantidade de títulos com prazo inferior a um ano, “pós-fixados, é claro”.
Entra-se então novamente no dilema da incerteza política: como fica o risco de crédito dos títulos públicos? Se o próximo presidente honrar devidamente os compromissos, os fundos passariam a ser um ótimo ativo, com baixa volatilidade e garantia de ganho diário. “Mas acontece que o medo presente é justamente se haverá condições e até vontade de o próximo governo honrar os compromissos de dívida, por mais que isso pareça absurdo hoje”, comenta o gestor de um banco local.
Diante dessa incerteza, restaria à autoridade monetária encurtar cada vez mais os prazos de vencimento dos papéis públicos, até que se chegue a uma realidade em que grande parte da dívida seja rolada no “overnight”. “A não ser que haja uma reviravolta no cenário eleitoral, vai haver um encurtamento muito grande do passivo público até a eleição”, comenta o analista de Renda Fixa de um banco estrangeiro. “Dependendo do que o próximo presidente fizer ou disser, vai chegar uma hora em que vai virar tudo overnight.”
Trata-se de um cenário que os analistas ainda descartam no curto prazo. Um levantamento feito por um grande banco americano mostra que, caso o BC e o Tesouro resgatem toda a dívida que vence até outubro, rolando-a no overnight, ainda assim o prazo médio da dívida pública ficaria em torno de 10 a 11 meses. “Em 1998, na crise da pré-desvalorização, esse prazo médio era de apenas 6 meses”, lembra a analista do banco, destacando que ainda há grandes vencimentos futuros que não poderão ser adiantados pelo governo. Em 2003, existem ainda volumes em torno de R$ 170 bilhões. Em 2004, R$ 85 bilhões.
Dólar já subiu 38% este ano
O dólar comercial oscilou ontem entre o mínimo de R$ 3,14 e o máximo de R$ 3,23, fechando ao final do dia em R$ 3,21, alta de 0,16%. Com o resultado apurado agora, o dólar acumula uma alta de 38,60% no ano e de 12,55% em agosto.
No mercado de juros, os contratos de DI futuro com vencimento em janeiro de 2003 negociados na Bolsa de Mercadorias & Futuros pagavam taxas de 22,650% ao ano, frente a 22,400% ao ano anteontem. Já os títulos com vencimento em agosto de 2003 apresentam taxas de 25,750% ao ano, frente a 25,600% ao ano negociados anteontem.
A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em queda de 1,71% em 9.183 pontos e volume de negócios de cerca de R$ 424 milhões. Com o resultado de ontem, a bolsa acumula uma baixa de 6,02% em 2002 e de 32,71% só em agosto. Das 50 ações que compõem o Ibovespa – índice que mede a valorização das ações mais negociadas na bolsa -, 16 apresentaram alta.
Em Nova York, o Dow Jones -indice que mede a variação das ações mais negociadas na Bolsa de Nova York – apresentou alta de 0,27% (a 8.766,6 pontos), e a Nasdaq – bolsa que negocia ações de empresas de alta tecnologia e informática em Nova York – subiu 0,63% (a 1.342,72 pontos). Na Argentina, o índice Merval, da Bolsa de Valores de Buenos Aires, fechou em alta de 0,45% (370,51 pontos).