A decisão do Senado Federal de manter inalteradas as regras do abono salarial vai beneficiar mais os trabalhadores do Sul e do Sudeste, segundo dados do Ministério da Economia obtidos pelo Estadão/Broadcast. Dos 8,3 milhões de trabalhadores formais que ganham entre R$ 1,4 mil e R$ 2 mil mensais e perderiam o benefício, caso o texto da Câmara tivesse sido aprovado no Senado, 4,2 milhões estão no Sudeste e 1,7 milhão no Sul – mais de dois terços dos afetados.
O abono é um benefício de até um salário mínimo (R$ 998) pago anualmente a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários (hoje R$ 1.996). O texto aprovado pelos deputados restringia o repasse a quem recebe até R$ 1.364,43 por mês. Em meio a embates com o governo, os senadores decidiram retirar da reforma da Previdência as mudanças no abono. A medida pouparia R$ 76,4 bilhões em uma década.
Os senadores articularam a retirada das mudanças sob a justificativa de que a restrição do benefício prejudicaria trabalhadores de regiões mais pobres, como o Nordeste. Os dados do governo mostram, porém, que o corte no abono atingiria 24,7% dos que hoje recebem o benefício nessa região. Já no Sudeste, 36,9% perderiam o direito ao repasse, corte que chegaria a 41,8% no Estado de São Paulo. No Sul, a proporção dos que deixariam de ganhar o abono chega a 40,3%.
A mudança no abono era considerada essencial pela área econômica, não apenas pelo impacto substancial, mas porque a política criada na década de 70 é considerada disfuncional e desfocalizada. O benefício é pago a quem tem carteira assinada e recebe até dois salários mínimos, independentemente da renda familiar, e não contempla trabalhadores informais.
Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que 39% dos benefícios do abono são pagos a um terço mais rico da população, enquanto apenas 16% vai para o terço mais pobre. A realidade é bem distinta do Bolsa Família, que paga 77% de seus benefícios para o terço mais pobre.
“O abono é um dos piores benefícios de focalização nas pessoas mais pobres do Brasil, senão do mundo. É uma política que foca trabalhadores formais e com uma renda que não é baixa. Esse é o primeiro erro. O segundo, é do ponto de vista regional. O abono acaba prestigiando regiões do País que são mais ricas, onde se encontra maior número de trabalhadores formais”, explica o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco.
Defesa
Autora do destaque que culminou na manutenção das regras atuais do abono, a senadora Eliziane Gama (CDD-MA) reconhece que o nível de formalidade é menor no Nordeste, o que faz com que outras regiões sejam mais atendidas pela política. Mesmo assim, ela diz que mais de 100 mil pessoas em seu Estado sofreriam com a alteração e que vai trabalhar para garantir o pagamento aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos.
“Quem recebe até dois salários mínimos é uma pessoa que não tem privilégio. Independentemente de onde ele more, ele ganha pouco e perderia mais um salário”, diz a senadora. Ela diz que o argumento de que famílias de classe alta podem estar recebendo o abono “não convence”.
A ideia do governo com a mudança no abono, segundo Bianco, era melhorar a distribuição regional do benefício e abrir espaço no Orçamento para investir em políticas de incentivo à formalização. Caso o Senado tivesse aprovado a focalização do benefício, os trabalhadores do Nordeste, que hoje respondem por 22,41% dos repasses do abono, passariam a representar 25,54%. Já o Sudeste, que hoje recebe 46,6%, teria sua fatia reduzida a 44,5%.
Após a derrota no Senado, o governo avalia a possibilidade de retomar as mudanças no abono por meio da chamada PEC paralela, que nasceu com a reforma da Previdência e agora tramita de forma independente para fazer ajustes sem atrasar o cronograma de aprovação do texto principal.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.