Visitas de 20 minutos por grupo, cada um somando entre 30 e 40 pessoas, que têm o direito de levar, cada uma, quatro peças para o provador. Esta foi a fórmula matemática encontrada pela varejista chinesa de moda Shein (lê-se xi-in) para controlar o fluxo de clientes desejosos em visitar a loja pop-up da marca no shopping Vila Olímpia, zona sul de São Paulo.
Com duração de apenas cinco dias, entre 12 e 16 de novembro, a loja virou ponto de romaria de parte dos 8 milhões de seguidores que a marca soma no Instagram e 2 milhões no TikTok. Uma fila de nada menos de 7.000 pessoas foi formada na abertura da loja, no sábado, o que gerou tumulto no shopping. A maior parte precisou ser dispersada e a Shein teve que providenciar rapidamente 1.500 senhas para o dia.
“Há relatos de pessoas que chegaram às 3h da manhã, e algumas até acamparam, com barraca, na fila”, disse à reportagem Felipe Feistler, diretor-geral da Shein no Brasil. “É claro que quem ficou tanto tempo esperando pode ficar frustrado, às 9h da manhã, em ter que ceder espaço para uma fila preferencial, como determina a lei”, diz o economista de 33 anos, que deixou em maio a rival chinesa Shopee, onde cuidava de desenvolvimento de negócios, para assumir o comando da Shein no Brasil.
Desde então, contratou cem pessoas, para áreas de logística, marketing e comercial, que está reunida no momento em um escritório temporário na avenida Paulista, região central de São Paulo. Feistler procura uma sede própria para a empresa, que também conta com um centro de distribuição em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Comercializada apenas no online, a Shein despertou curiosidade com a sua loja, enquanto o consumidor busca por preços baixos em meio a uma inflação de 18,48% do vestuário no Brasil nos últimos 12 meses, segundo o IPCA. No ponto de venda, todos os produtos da marca tinham preço entre R$ 14,99 e R$ 166,95.
A reportagem esteve nesta quarta-feira (16), último dia de loja pop-up, e percebeu a fila quilométrica de clientes que atravessava o térreo do shopping Vila Olímpia capaz de gerar inveja em outras grandes redes de moda rápida (fast fashion), como Renner, Riachuelo e Amaro, que nem de longe conseguiam atrair o mesmo público. Mas quem entrou sentiu certa frustração.
“Achei que a loja deixou um pouco a desejar”, diz Rita Souza, 28 anos. “Não tem muita variedade, é super pequena e não tem os tamanhos que a gente quer”, diz a vendedora, que ficou duas horas na fila. “Prefiro fazer a compra no site, que tem preços bem mais em conta do que outras redes como Renner e C&A.”
A advogada Tamara Aragão, 46, também reclamou da variedade. “Vim mais por curiosidade, para ver os produtos”, diz ela, que também passou duas horas na fila. “Já comprei bastante pelo site. “O preço da Shein é bem mais atrativo em relação ao das grandes redes, mas a qualidade não é melhor.”
A auxiliar financeira Andrea Ane, 50, corria na hora do almoço para conseguir escolher algumas peças. “Nunca comprei nada na Shein, trabalho aqui perto e resolvi usar a hora do meu almoço para conhecer a loja. Passei uma hora e meia na fila, mas não tem muita coisa, está sem numeração plus size”, diz ela. “Vejo que eles são uma loja chinesa mesmo, com um padrão de acabamento inferior ao da Renner e ao da C&A”, afirma. “Mas vale pelo preço: aqui eu encontro uma blusa por R$ 70. Na Renner eu não pagaria menos de R$ 180.”
Tudo na chinesa Shein, que nasceu em 2008 como um site de venda de vestidos de noiva, é baseado na experimentação. A loja pop-up de São Paulo foi a primeira a ter vendas no Brasil. Em março, a empresa havia aberto uma loja pop-up no Rio, que funcionou apenas como show room, sem venda de produtos. Em dez dias, recebeu 5.000 visitantes.
“Devemos abrir novas lojas pop-up com vendas no Brasil”, diz Feistler. “A nossa cultura é de testar, ver o que funciona. Somos flexíveis”, afirma o executivo, lembrando que nos Estados Unidos, por exemplo, a empresa já abriu muitas pop-ups. Agora, no Brasil, a companhia se dedica à seleção de fornecedores locais para tornar os custos ainda mais acessíveis.
“Estamos em processo de desenvolvimento de fornecedores locais”, afirma o executivo. “Em 2022, começamos com a operação local. 2023 será transformacional.”
A empresa não tem fábrica. Está em cerca de 140 países no mundo e tem 10 mil colaboradores, entre próprios e terceiros. O diferencial da companhia, segundo Feistler, é a “tecnologia de produção sob demanda”. “Nós fazemos testes com 100 a 200 peças no aplicativo. Uma vez que a demanda se confirma, escalamos a produção. Tudo é muito rápido, em tempo real”, diz.
A varejista estima que com este modelo ela evite uma perda de 20% na cadeia produtiva. “Assim conseguimos oferecer preços mais em conta que a média de mercado”, afirma o gerente-geral. “Em vez de produzir 10 mil produtos para só depois descobrir se haverá venda ou não, produzimos de 100 a 200 e confirmamos a demanda.”
A Shein foi foco de um documentário, “Untold: inside the Shein Machine”, que denunciou jornadas de trabalho de até 18 horas diárias por baixos salários. Feistler defende o modus operandi da varejista. “Trabalhamos com muitos fornecedores da China, principalmente. Eles precisam seguir regras da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Fazemos auditorias. Caso algum fornecedor não passe pelas auditorias, é investigado e paramos de trabalhar com ele.”
O executivo afirma ainda que a empresa está dedicada a entregar peças sustentáveis. “Temos uma coleção, a Evolut Shein, com produtos que utilizam entre 50% e 60% de poliéster reciclado. Ainda não é a maioria do nosso mix.”
Os grandes diferenciais da empresa, segundo ele, estão na diversidade de tamanhos do PP ao plus size que evidenciaria uma moda “democrática”. “Nossa atividade nas mídias sociais é muito forte, trabalhamos com as sheingals, consumidoras que se tornam garotas-propaganda e influenciadoras que divulgam a marca, em troca de produtos e descontos.”
Na opinião de Maya Mattiazzo, professora de pós-graduação de moda e luxo da ESPM, a Shein é antes de tudo o emprego de inteligência artificial muito mais do que criação de moda.
“O valor de mercado da marca já bateu os US$ 100 bilhões este ano”, diz. “Isso é muito mais do que Zara e H&M somadas.”
Segundo ela, um robô faz a leitura das tendências em moda (trends) dentro do buscador e leva este relatório para os desenvolvedores de produto, que fazem a seleção do que interessa. “O robô pode detectar 20 trends ao mesmo tempo como boho, pin-up e romântica, por exemplo. No mundo, a Shein lança 6 mil produtos por dia com base nestas tendências que foram identificadas.”
Com isso, diz ela, o cliente consegue ver no aplicativo a tendência de moda antes mesmo de ver a sua popularização no TikTok.
“Além disso, a marca trabalha a ideia de comunidade”, afirma. “Quem compra no aplicativo faz avaliação do produto e ganha créditos para as próximas compras. Se a sua avaliação tiver vídeo e fotos, vale mais do que só texto. Quanto mais curtidas você ganhar, mais crédito.”
Para o consultor em varejo Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, o fenômeno Shein é mundial, não só brasileiro. “Eles têm uma capacidade inigualável de fazer moda em uma velocidade muito acelerada, algo que a Zara era a grande referência, mas eles a superaram neste quesito.”
A grande referência da Shein, que não tem lojas, como a Zara, é a mídia digital, diz Serrentino. “O algoritmo deles é poderosíssimo em conseguir detectar demandas e tendências pelo que as pessoas postam nas mídias sociais, são a marca da era TikTok”, afirma.
Com uma cadeia de supply chain muito fragmentada e ágil na China, a Shein consegue gerar uma quantidade de produtos dezenas de vezes superior ao da Zara. “Eles têm uma máquina muito azeitada, uma tecnologia muito redonda, que ninguém consegue replicar”, diz.
“No ano passado, a Shein foi o app mais baixado nos Estados Unidos, mais do que a Amazon, e aqui no Brasil foi o aplicativo de moda mais baixado do país.”