A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) voltou a expressar na tarde desta quarta-feira, 23, dúvidas em relação a pontos específicos da Medida Provisória 784, que estabelece novo marco punitivo para instituições financeiras e do mercado de capitais. Relatora da MP na comissão mista do Congresso, Lídice questionou a necessidade de criação de fundos para recebimento das multas e afirmou que será preciso avançar nas discussões entre o Banco Central – um dos principais interessados na matéria – e o Ministério Público Federal (MPF), para que não haja contestações jurídicas no futuro.
Editada no início de junho, a MP 784 prevê a criação de dois fundos: o Fundo de Desenvolvimento do Sistema Financeiro Nacional e Inclusão Financeira, a ser administrado pelo BC, e o Fundo de Desenvolvimento do Mercado de Valores Mobiliários, a cargo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O patrimônio desses fundos será formado a partir da cobrança de multas sobre as instituições reguladas. Em ambos os casos, o objetivo é o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais. Na visão do BC e da CVM, os fundos serão uma forma de “recompensar” o sistema por desvios praticados pelas instituições.
O problema colocado por alguns participantes das audiências públicas realizadas na terça, 23, e nesta quarta, 24, na comissão mista é que a criação de fundos significa o direcionamento de recursos que, de outra forma, poderiam simplesmente estar à disposição do Tesouro, para aplicação conforme as necessidades do orçamento. Na prática, são mais dois fundos com “dinheiro carimbado” – algo que tem mantido o orçamento brasileiro engessado.
“Estamos numa crise de proporção muito grande”, disse nesta quarta Lídice. “Se mantivermos os fundos dessa forma, sem a possibilidade de sofrerem contingenciamento, acho muito complicado. Vamos criar uma ilha de excelência destoando do conjunto”, acrescentou a senadora.
Na audiência de terça-feira, representantes do BC já haviam defendido que as despesas executadas com recursos dos fundos estariam sujeitas ao ritual orçamentário. A dúvida expressa pela senadora – e por outros participantes das discussões – é até que ponto é necessário, de fato, criar os dois fundos.
“Não sou radical, sou mais tradicionalista. Defendo vinculações claras, a vinculação na Educação, a vinculação na Saúde. Há políticas essenciais de Estado que precisam de proteção orçamentária”, disse Lídice para, em seguida, manter questionamento a respeito dos fundos.
A senadora também abordou outro ponto polêmico da MP: a possibilidade de acordo de leniência com o Banco Central. Na terça e nesta quarta, participantes das audiências questionaram aspectos formais do texto sobre o acordo, entre os quais sua abrangência e até se o que está proposto pelo BC deve, de fato, ser qualificado como leniência.
“Eu tenho dificuldade também de não prever a participação do Ministério Público. Penso que essa fronteira fica cada vez menos clara no que diz respeito a uma definição meramente administrativa”, disse Lídice, em referência ao fato de o BC defender, desde a edição da MP, que a proposta abrange apenas delitos administrativos – e não penais, da alçada do Ministério Público.
“Podemos até fazer isso no relatório, (podemos) deixar muito explícito, de todas as formas, em todos os contornos, que são situações meramente administrativas. No entanto, acho difícil que elas possam se manter num acordo de leniência com o nível de relações que possam acontecer neste ambiente. Estou aberta a analisar, mas é preciso que possamos avançar naquilo que são divergências, para que não tenhamos contestação da MP adiante.”
BC x MPF
Durante a audiência desta quarta-feira, o presidente da comissão mista, deputado federal Fabio Garcia, citou aprimoramentos no texto da MP que, segundo ele, já estariam acordados entre o Banco Central e o Ministério Público Federal (MPF).
Entre os aprimoramentos, está o acordo de leniência com expressa previsão legal de que o alcance está restrito a infrações administrativas. Além disso, a celebração do acordo não desobrigará o BC de comunicar ao Ministério Público crimes, já durante a análise da proposta. Após a assinatura, haveria a publicidade do acordo. A comunicação de indícios de crimes e a publicidade após a assinatura também valeria para o termo de compromisso com o BC – outra ferramenta prevista na MP 784.
Na quinta-feira (24), às 9h30, ocorre nova audiência pública na comissão mista que analisa a MP 784. Na terça e nesta quarta, porém, foi perceptível na comissão a falta de interesse de deputados e senadores no assunto: apenas a senadora Lídice da Mata, que é relatora da matéria, procurou esclarecer dúvidas sobre a proposta. E não havia parlamentares acompanhando a audiência. Isso contrasta com o interesse do BC. Nos dois dias, diretores da instituição participaram dos debates.