Mesmo num quadro de forte incerteza política e de pouco otimismo em relação à economia, o primeiro leilão de concessão rodoviária do governo de Michel Temer tem atraído a atenção dos grupos econômicos, inclusive estrangeiros. Um mês após o lançamento do edital, a Rodovia de Integração do Sul (RIS) já tinha na semana passada pelo menos oito interessados, inclusive da Itália e da Espanha.
O empreendimento também tem um grupo chinês entre os possíveis candidatos. Com forte presença no setor de energia, a China ainda não entrou no negócio de rodovias no Brasil. O leilão está marcado para o dia 1.º de novembro.
A RIS é formada por trechos de quatro rodovias federais no Rio Grande do Sul: as BRs 101, 290, 448 e 386. Ao todo são 473,4 km, entre os quais 98,1 km da chamada Freeway, entre Porto Alegre e Osório, concedida em 1997 e com contrato vencido no ano passado. No momento, a via está sob responsabilidade do governo federal, que precisou contratar seguranças para as praças de pedágio, que se encontram inoperantes. Com tráfego intenso, a Freeway é o principal atrativo da RIS.
Foram feitos ajustes no contrato para evitar a repetição dos problemas que o governo federal administra nas outras rodovias concedidas, principalmente as da chamada Terceira Etapa. Oferecidas ao mercado em 2012 e 2013 no Programa de Investimentos em Logística (PIL), algumas são reconhecidas como insustentáveis pelos próprios concessionários.
A elaboração do edital da RIS consumiu dois anos de discussões. Metade desse tempo foi empregado em debates com o Tribunal de Contas da União (TCU). Mas o resultado é motivo de otimismo no governo. “É um contrato maduro”, disse a diretora de Rodovias do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), Tatiana Thomé de Oliveira. Para ela, o interesse de grupos estrangeiros é a melhor demonstração de que as regras foram aceitas pelo mercado.
“É resultado de um aprendizado não só com o PIL, mas também de coisas que deram errado na primeira etapa”, comentou o secretário de Fomento para Ações de Transportes, Dino Antunes.
Ajustes
Um dos principais ajustes é a redução de investimentos no início do contrato. Um ponto central das concessões do PIL era a exigência de duplicação de todo o trecho concedido num prazo de cinco anos. E foi justamente nesse período de forte investimento que o País mergulhou na recessão, causando desequilíbrio financeiro em praticamente todas as concessionárias.
Escaldado por essa experiência, o governo reduziu as exigências de investimento na RIS, estimados em R$ 7,8 bilhões. Nos dois primeiros anos, serão exigidas apenas obras de recuperação e sinalização. As duplicações só começarão no terceiro ano do contrato. E apenas alguns trechos receberão esse tipo de investimento. Além de um conjunto de obras obrigatórias, haverá outras para ampliar a capacidade da rodovia que só serão feitas à medida que o tráfego atingir determinado volume.
Os leilões do PIL foram vencidos por grandes construtoras, que na média concordaram em cobrar pedágios 50% mais baratos do que os estimados pelo governo. O desconto elevado, combinado com a recessão, resultou em forte frustração de receitas.
Na RIS, conta Antunes, foi criado um “mecanismo contra bids (lances em leilão) irresponsáveis”. A tarifa máxima foi fixada em R$ 7,24 e vencerá o leilão o grupo que concordar em cobrar o menor valor abaixo desse. Mas se o desconto oferecido for superior a 10%, a empresa precisará demonstrar capacidade financeira adicional. A exigência crescerá à medida que o deságio for maior. “O risco será bancado com o capital dela”, ressaltou o secretário.
O ponto que mais consumiu tempo de discussão com o TCU foi a inclusão de obras não previstas no contrato. A Corte de contas queria que nenhum investimento desse tipo fosse autorizado. O governo sustentou que esse engessamento é impossível de manter, ainda mais num contrato de 30 anos como o da RIS. Ficou acertado, então, que elas poderão ser incluídas, mas só nas revisões de contrato feitas a cada cinco anos.
Para o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, “o ambiente é o pior possível” para a realização do leilão. “O sistema todo está com problema, e o governo não está operacional para dar solução”, afirmou. “Como o investidor olha para frente, qual o grau de confiança no modelo?” Apesar das incertezas, ele diz esperar que o leilão seja bem-sucedido. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.