economia

Isolamento elétrico custa R$ 6,3 bilhões aos consumidores

Os reflexos do isolamento elétrico da cidade de Boa Vista (RR), única capital do País que ainda não está plugada na malha do sistema interligado nacional de energia (SIN), ficaram mais nítidos em março deste ano, quando Roraima deixou de importar energia da Venezuela e passou a depender, exclusivamente, da geração de usinas térmicas brasileiras, praticamente todas elas movidas a combustível. Boa Vista, no entanto, está longe de ser a única localidade do País que sofre com as limitações do setor.

Os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão que gerencia o abastecimento diário do País e planeja sua demanda para os anos seguintes, apontam que, atualmente, ainda existem 235 localidades no Brasil que não possuem ligação com o SIN. São os chamados “sistemas isolados”, que dependem diariamente da energia produzida por usinas locais para ter luz. Em 99% dos casos, tratam-se de quilowatts gerados pela queima de óleo diesel.

O levantamento oficial mostra que, quando considerada a malha interligada de energia, a qual já chega a 141.388 quilômetros de extensão, os isolados são apenas 0,6% das localidades do País. O custo para 2020 desses 235 locais, porém, nas contas do ONS, chegará a R$ 6,31 bilhões, um valor que é pago por todos os consumidores de energia do País, por meio de subsídio incluído mensalmente na conta de luz.

Os isolados

São oito os Estados que possuem locais isolados do sistema elétrico nacional. Amazonas é o que possui o maior número desses pontos, com 95 regiões. Roraima está em segundo lugar, com 82 localidades fora da rede interligada.

“Naturalmente, há regiões que precisam imediatamente ser conectadas, como é o caso de Boa Vista, que consome boa parte da energia dos sistemas isolados. Há outros locais, porém, que efetivamente não precisam dessa conexão, e sim de uma solução mais adequada de abastecimento, para que o preço da energia dessa região caia”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, especializado no setor elétrico.

Os números falam por si. Enquanto o custo de energia nas áreas interligadas tem ficado em R$ 176 o megawatt (MWh), o preço dessa mesma energia para o sistema isolado é de R$ 1.287 o MWh, por causa do alto custo do diesel, que também é o suprimento mais poluente da matriz elétrica. “Isso mostra o quanto essa situação precisar mudar, com o avanço de novas ligações e outras fontes de geração”, diz Sales.

Em maio deste ano, dois meses depois de romper com o abastecimento precário gerado por hidrelétricas da Venezuela, o governo brasileiro conseguiu fazer um leilão para Roraima com geração a gás, pelo custo de R$ 833 o MWh. Essa energia, que sairá de uma térmica do Amazonas, no entanto, só passa a chegar em 2021. “É uma queda importante de preço se comparada ao custo anterior, mas ainda é alto quando se vê o preço pago pelo resto do País”, afirma o presidente do Acende Brasil.

O ONS reconhece que, neste ano, a interrupção da importação de energia da Venezuela, ainda que fosse precária e com apagões diários, tem “um alto impacto na operação no ano de 2019 e na previsão de atendimento energético do sistema de Boa Vista para o ano de 2020”. Segundo o órgão, essa situação terá “um impacto significativo no consumo de óleo diesel” previsto para o ano que vem.

Plugadas

Bernardo Folly de Aguiar, superintendente de projetos de geração da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão responsável pelo planejamento do setor elétrico, afirmou que, até 2023, há previsão de que ao menos 47 localidades isoladas sejam finalmente plugadas na rede nacional. Outras tantas, porém, não têm previsão para que isso ocorra: “É uma equação econômica que precisa ser feita. Em muitos lugares, não é viável levar a rede de transmissão, mas sim investir em diferentes fontes de energia para garantir o abastecimento.”

Se somada a energia consumida pelas 235 localidades isoladas, chega-se a um total de 468 MW médios, diz Claudio Sales. “Para se ter uma ideia do que isso significa, a cidade de Santos, no litoral de São Paulo, por exemplo, consome sozinha 700 MW médios. Por isso, é preciso analisar o que vale a pena, em cada caso.”

Nas contas do ONS, em 2020 está previsto um aumento de 7,8% no consumo de gás natural e de 0,2% de óleo diesel pelos sistemas isolados. A redução no custo dessa energia está na diminuição da dependência de combustíveis fósseis e no investimento de outras fontes complementares, como a energia solar.

De 5 e 20 horas sem luz em RR

Nas vilas ribeirinhas do Rio Jatapuzinho, no município de Caroebe, em Roraima, a energia elétrica é um luxo que dura cerca de seis horas por dia. Nos arredores da Vila de Samaúma, na cidade de Mucajaí (RR), o privilégio de ligar a luz só está disponível por dez horas. Depois disso, o que resta é o breu.

A realidade desses municípios expõe a precariedade dos serviços de energia na região e o quanto estes ainda precisam avançar pelo interior de Roraima. Das 82 localidades do Estado isoladas do sistema elétrico nacional, conforme levantamento do início deste ano, 68 não têm acesso à energia durante 24 horas por dia. O abastecimento nesses locais oscila entre 5 horas e 20 horas, no máximo, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

O ONS garante que, em 2020, o atendimento 24 horas, todos os dias, será uma realidade para todos os locais isolados do País, com exceção de Roraima, que ainda vai ficar na fila por uma solução definitiva. “Essa situação envolve, normalmente, comunidades indígenas e ribeirinhas. É uma realidade dinâmica, que vai mudando conforme o adensamento local”, comenta Gustavo Pires da Ponte, consultor técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

A distribuidora Roraima Energia, responsável pelo abastecimento no Estado, diz que vai fazer sua parte. Rodrigo Moreira, diretor técnico e comercial da concessionária, afirma que, nos próximos dois anos, todas as localidades isoladas de Roraima terão suprimento 24 horas por dia, seja por meio de interligação com o sistema nacional, seja pela instalação de novas fontes de geração híbrida, o que incluirá o uso de painéis solares e baterias, entre outras fontes de energia.

“Hoje, não são mais 82 localidades isoladas, mas 74 localidades. Estamos trabalhando para reduzir essa situação. Eu acredito que, já em 2020, devemos atender a mais 40 localidades. As demais serão atendidas até 2021”, comentou Moreira.

A prioridade do governo federal, no momento, é garantir a ligação de Boa Vista com o sistema interligado nacional. Em 2012, a construção da linha de 750 quilômetros de extensão, até Manaus (AM) foi leiloada, com a previsão de que a obra estivesse pronta em 2015. Sete anos depois, porém, nada foi executado, por causa de um emaranhado de obstáculos socioambientais e deficiências nos estudos de licenciamento apresentados pela concessionária que venceu o leilão. Até o momento, o governo não tem uma solução para o imbróglio. A linha segue sem data para ficar pronta.

Luz de vela e alimento estragado

O sistema que não garante energia elétrica nas 24 horas do dia afeta o dia a dia tanto das pessoas que vivem na capital de Roraima, Boa Vista, como as das cidade do interior.

Caracaraí, que tem a sede do município a cerca de 140 quilômetros da capital, tem acesso a energia elétrica por cerca de 18 horas por dia. Mas, em algumas localidades da região, é até por menos tempo.

A prefeita de Caracaraí, Socorro Guerra (Pros), afirma que até a própria gestão precisa se virar para manter ofertas simples de serviço, como a entrega da merenda escolar e vacinação. “Toda região do Baixo Rio Branco não tem energia 24 horas (consecutivas). Em alguns lugares, são até 12 horas por dia. O grande problema é que as comunidades ficam sem acesso à internet, sem climatização nas casas e escolas, com a perda de produtos alimentares que precisam de congelamento”, explica.

Na região da Vila Xixuaú, no município de Rorainópolis, região sul do Estado e distante cerca de 300 quilômetros da capital, a oferta de energia é de apenas 12 horas por dia.

A servidora pública Claudete Cordeiro, de 35 anos, mora em Rorainópolis há cerca de quatro anos e, desde então, teve de mudar alguns dos seus hábitos, como separar parte do rendimento para aquisição de velas, fósforos, lanternas e pilhas. “Atualmente, temos constantes quedas de energia e isso nos prejudica bastante. Desde eletrodomésticos que queimam até nossos produtos alimentares, que estragam. Tudo isso acarreta prejuízos que muitas vezes não temos como sermos ressarcidos, infelizmente. A única coisa que podemos fazer é aguardar e tentar iluminar a casa com velas e lanternas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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