O brasileiro talvez até tenha que se acostumar com uma inflação um pouco mais alta nos próximos anos, acreditam os economistas. Seria o efeito colateral das sucessivas pressões sobre o câmbio. Entretanto, especialistas em dívida e inflação repudiam qualquer estratégia de governo que vise deliberadamente a deixar os preços subirem para corroer parte do endividamento público. A proposta tem sido apresentada por alguns analistas como alternativa para evitar uma moratória da dívida. Até Michael Mussa, ex-diretor do Departamento de Pesquisa do FMI, sugeriu em entrevista recente uma inflação mais alta para reduzir o endividamento.

Rio (AG) Os economistas brasileiros, porém, rechaçam a idéia e lembram do perigo de uma subida acelerada nos preços.

Como dizia Mário Henrique Simonsen, uma pequena inflação é como uma pequena gravidez. E não existe pequena gravidez, diz Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, um especialista em inflação.

Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central e hoje no Itaú, faz coro:

Baixar os juros rapidamente para gerar inflação e corroer a dívida é como brincar com fogo usando uma garrafa de gasolina, compara Werlang, que é o pai do sistema de metas de inflação hoje usado pelo governo.

Os analistas, porém, afirmam que um pouco mais de inflação pode ser inevitável. O economista Lauro Vieira de Faria, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), diz que uma alta mais forte dos preços é um cenário possível frente à disparada do dólar este ano. O próprio governo aumentou, no fim de junho, a meta para o ano que vem, que agora poderá ser de até 6,5%.

Mas Faria lembra que a inflação não conseguiria, no caso brasileiro, reduzir o estoque da dívida. Ele explica que a maior parte do endividamento (47,1%) está em papéis pós-fixados e, quando há uma perspectiva de inflação maior, o mercado pede juros mais altos para rolar a dívida. Outra grande fatia do endividamento é em dólar (33,2%), que também sobe com a inflação alta.

O economista da FGV ressalta que uma inflação maior, por outro lado, facilitaria a obtenção de elevados superávits fiscais primários (receitas menos despesas sem contar juros e correção monetária), necessários para manter estável o estoque da dívida. Isso porque os gastos do governo, como salário do funcionalismo e despesas da Previdência, seriam corroídos pela inflação.

A meta acertada no acordo com o FMI é de um superávit de 3,75% do PIB até 2005. Nos anos de inflação alta, o Brasil conseguia com folga resultados bem acima deste. Em 94, o superávit foi de 5,09% do PIB.

A tentação da inflação é muito grande para os governantes, principalmente porque será difícil manter o superávit fiscal e a dívida não pára de crescer. É uma escolha de Sofia: arrocho ou inflação.”

Faria acredita que o Plano Real falhou por não ter criado uma base tributária sólida para o país. Ele explica que a inflação funcionava como um imposto, porque facilita ao governo cumprir seu orçamento. Sem ela, a saída foi o endividamento.

– “O Plano Real trocou a inflação por dívida. Agora, o sistema se vinga com a ameaça da volta da inflação ” analisa.

Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acredita que somente uma solução rápida para os problemas estruturais da economia, com a reforma da Previdência e a reforma tributária, podem evitar que o esforço do Plano Real seja desperdiçado.

Foram oito anos de esforço para diminuir a cultura inflacionária do País. Correr o risco da volta da inflação é ameaçar as camadas mais pobres da população, que não têm acesso a nenhum tipo de proteção, como os ativos financeiros da classe média, e seriam as mais prejudicadas.”

Cunha admite que a outra alternativa para lidar com a dívida, que seria um esforço fiscal mais elevado, também é de difícil execução. Para ele, um dos pontos positivos do acordo com o FMI foi reconhecer que os 3,75% de superávit fiscal são o limite que a sociedade consegue suportar. Já Werlang, do Itaú, sugere que o próximo governo adote um planejamento de médio prazo para aumentar o superávit fiscal, por meio de uma maior eficiência dos gastos públicos:

“A melhor solução para o país é a austeridade fiscal.”

O economista Fernando de Holanda Barbosa, da FGV-RJ, alerta para os riscos de se reduzir mais rapidamente os juros, provocando inflação. Com taxas mais baixas, teoricamente seria possível reduzir a dívida, já que grande parte dela é atrelada aos juros, e melhorar a relação entre endividamento e PIB, uma vez que haveria espaço para o País crescer mais.

– A curto prazo, até poderia haver um aquecimento da economia. Mas, depois, a volta da inflação dificultaria a rolagem da dívida, já que os bancos pediriam taxas mais altas para aceitar os títulos do governo, explica.

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