Um levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base em dados do IBGE, revela o alto grau de sonegação de impostos entre as microempresas brasileiras com até cinco empregados. De 50 mil empresários “nanicos” entrevistados na área urbana do País ? segmento com faturamento médio de R$ 1.800 por mês e que inclui autônomos ? 85% revelaram que não pagam qualquer tipo de tributo e estão na informalidade. Entre as razões que levam os empreendedores a viver à margem da legalidade estão a alta carga tributária e a burocracia.
Rio (AG) – Segundo o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, o levantamento “traz vários tons de cinza e não mais só o que é branco ou preto”. Na prática, o trabalho não se limita a identificar quantos estão dentro ou fora da formalidade, mas dissecar os dois grupos. Por exemplo: entre os formais, os impostos representam, em média, 6,29% da sua receita, enquanto que a mediana, faixa exatamente entre os que pagam mais e os que desembolsam menos, cai para 3%. Ou seja: as empresas mais ricas são mais tributadas.
Num exercício, usando como base os 3% pagos pelas empresas na faixa mediana, o economista estimou em quanto a arrecadação poderia crescer se fossem atraídos para a formalidade os outros 85% dos “nanicos”. O resultado seria uma expansão de 1.170%. Essa fatia do bolo é um dos temas em debate e um dos grandes desafios do governo federal.
? A informalidade está associada a encargos fiscais crescentes imprimidos pelos vários níveis de governo, sem que correspondentes benefícios sejam percebidos coletiva ou individualmente ? diz Neri. ? Quando uma empresa se torna formal, paga impostos, isso é melhor para o governo. É preciso uma contrapartida para a empresa ganhar valor, para que tenha alguma vantagem.
A diferença entre as empresas que faturam mais e as menores não se limita ao percentual de impostos sobre a receita, mas é evidente também nos dados de quem contribui ou não com o INSS. Das empresas com maior faturamento, 15% estão em dia com o instituto, enquanto só 2% das menores não sonegam esse encargo.
? Pagar impostos é uma despesa de luxo entre os microempresários. Daí a importância de uma política tributária para o segmento ? pondera Neri.
O trabalho, que já está sendo usado por algumas prefeituras e estados brasileiros para políticas de incentivo ao setor, traz mais tons de cinza, no conceito de “indicadores alternativos de taxas de formalização”. Explica-se: que tipo de registro essas empresas possuem. Os dados mostram que só 12,3% têm CGC; 9,6% contam com o cadastro de microempresa; 9,7% declaram o Imposto de Renda, sendo que 60% se dizem isentas; e 22,7% exibem licença estadual ou municipal para funcionamento.
O presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), Joseph Couri, concorda que um dos grandes desafios do governo Lula é legalizar as empresas informais. Na sua opinião, a questão é saber como tratar o assunto.
? Primeiro, temos que chegar a um consenso e unificar um diagnóstico sobre a informalidade no setor. Mas estamos falando de empreendedores que geram empregos, e esses não podem ser execrados ou punidos ? argumenta Couri.
Enquanto a solução não vem, só mesmo a perseverança e a aposta numa idéia de sucesso para manter ativa a abertura de empresas. Assim aconteceu com as amigas Daniela Lacerda e Roberta Rocha Miranda de Andrade, que abriram em janeiro a Zucca Baby, loja de vestuário infantil no Shopping Downtown, no Rio.
O mês para a abertura da loja ? um dos mais fracos do ano no comércio ? não foi um erro de planejamento, mas resultado da burocracia. Como elas optaram por fabricação própria, tiveram que abrir duas empresas: uma confecção e outra de comércio de roupas, o que encareceu o empreendimento e atrasou a inauguração em um mês.
? Planejamos a abertura para dezembro. Só que não pudemos dar entrada nos documentos das duas empresas simultaneamente e perdemos tempo. Também gastamos o dobro do planejado, porque tivemos de pagar por documentos para cada uma das empresas: dois contratos sociais, dois CNPJs, duas inscrições estaduais e dois alvarás ? reclama Daniela.
Ao somar os gastos com documentação e taxas para abertura do negócio, as microempresárias perceberam que desembolsaram 5% (cerca de R$ 1.500) do total investido nas duas empresas.
Dono do próprio negócio
O trabalho da FGV traça também o perfil do empreendedor brasileiro, que em sua maioria é homem (67,3%), branco (61%) e chefe de família (66%). Boa parte deles, 11%, chegou à universidade, porém muitos estacionaram nos oito primeiros anos de estudo (67%) e 5% não permaneceram sequer por um ano na escola.
Os dados mostram que a figura do sócio não se faz muito presente neste segmento: 89% dos empreendedores são os únicos donos do seu próprio negócio. Em muitos casos (cerca de 10%), a empresa serve de complemento de renda para quem está empregado.
Outro dado interessante é que montar o empreendimento, ao contrário do que muitos pensam, não é a tábua de salvação para quem perdeu o emprego, mas sim uma opção para gerar renda. Somente em 8% dos casos a saída do último emprego foi por demissão.
O segmento encontra maiores oportunidades em serviços, que concentra 35% das microempresas. O “ranking” de geração de negócios traz ainda o setor de comércio, com 34% dos empreendimentos, e a construção, onde estão outros 14%. Do total, 30% são as chamadas empresas de fundo de quintal, que funcionam no domicílio do próprio empreendedor.
