Substituir frutas, legumes e verduras, pesquisar mais os preços e reduzir idas a restaurantes. Em tempos de carestia dos alimentos, essas medidas passaram a fazer parte da rotina da economista Luiza Botelho de Souza, 32.
A moradora de São Paulo é vegetariana, uma das camadas de consumidores mais atingidas pela inflação de hortifrúti, que ganhou força nos primeiros meses de 2022.
“Você tem a sensação de que o dinheiro compra cada vez menos. Então, faz substituições de produtos. Às vezes tenta trocar uma hortaliça por uma verdura que custa menos”, aponta Luiza, que é vegetariana há 12 anos.
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“Comer fora também ficou mais caro. Sem dúvida, estou saindo menos de casa hoje”, acrescenta.
Um dos preços de alimentos que mais assustaram a consumidora foi o da cenoura. Em 12 meses até abril, o item acumulou inflação de 195% no país, segundo o IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15).
“A cenoura é meu alimento preferido, mas dei uma segurada nas compras ultimamente”, diz Luiza.
No IPCA-15, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o tomate também registrou alta superior a 100% em 12 meses. Até abril, a disparada foi de 117,48%.
Abobrinha (86,83%), melão (63,26%), repolho (59,38%), melancia (52,64%) e pimentão (50,18%) tampouco escaparam da carestia.
Morango (46,79%), alface (46,22%), mamão (40,33%) e batata-inglesa (38,68%) são outros alimentos com avanços expressivos no mesmo período.
“Comparar preços de um produto é um processo que o consumidor vegetariano já fazia. Agora, há um incremento. Mais do que comparar preços de um produto em locais diferentes, há uma busca por novas escolhas, por alimentos que estejam mais baratos”, diz Ricardo Laurino, presidente da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira).
“Por exemplo, se antes você comia mais laranja, vai lá e passa a comer mais mexerica [tangerina]. Tem produtos com características similares”, completa.
Para ele, entre os alimentos, a inflação do tomate foi a que mais chamou atenção.
“Em vez de comprar oito, a gente compra dois ou três agora. A gente dança conforme a dança da inflação”, relata.
Com a pressão no bolso, a influenciadora digital vegana Amanda Goulart, 27, também intensificou a procura por preços mais em conta e buscou substituir alimentos quando possível.
“Procuro consumir mais frutas e verduras da estação para ter preços mais acessíveis, além de não desperdiçar comida”, afirma Amanda, que é moradora de Florianópolis.
“Não deixei de consumir, mas, antes, usava mais a cenoura nas receitas. Hoje, reduzi. Busco os nutrientes em outros alimentos.”
Problemas climáticos elevam inflação
A disparada de frutas, legumes e verduras reflete uma combinação de fatores, indica o pesquisador Felippe Serigati, do centro de estudos FGV Agro.
Um deles é o clima adverso entre o final de 2021 e o começo de 2022. O Sul amargou período de seca, e houve chuvas fortes em áreas do Sudeste e do Nordeste.
Os fenômenos extremos castigaram plantações, reduzindo a oferta de parte dos alimentos. Com menos mercadorias no mercado, houve pressão sobre os preços finais.
Enquanto isso, os custos de produção continuaram elevados, e os gastos com o transporte das mercadorias entre o campo e a cidade subiram devido à alta dos combustíveis, diz Serigati.
“Aumento dos custos de produção combinado com problemas climáticos força os preços dos alimentos para cima. A inflação dos combustíveis também não deu refresco”, analisa.
“É difícil fazer projeções para os preços. Os custos de produção vão permanecer elevados. Em termos de clima, é preciso torcer para que São Pedro mande e retire a chuva na hora certa”, acrescenta.
Karina Cunha, 44, aderiu ao veganismo em janeiro de 2020, pouco antes do início da pandemia. Ao cortar a carne do cardápio, a consultora de gestão diz que passou a gastar menos com alimentos.
Contudo, isso não quer dizer que ela não tenha sentido os efeitos da inflação.
Com a carestia de hortifrúti neste ano, a moradora de São Paulo passou a pesquisar mais os preços cobrados por supermercados em aplicativos de entrega. Ela costuma fazer compras online.
“Agora, a gente fica ainda mais atenta”, menciona.
Prato feito sobe 37,25% Uma prato feito sem carne e com as opções de arroz, feijão (carioca e preto), alface, batata-inglesa, cebola, tomate, brócolis, cenoura e pimentão acumulou inflação de 37,25% em 12 meses até abril, em média, indica levantamento do economista Matheus Peçanha, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O cálculo tem como base os dados do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), do FGV Ibre. Segundo Peçanha, a alta foi puxada pela disparada do tomate e da cenoura.
Os dados ainda sinalizam que os brasileiros que consomem carne tampouco conseguiram fugir da inflação.
Em 12 meses até abril, um prato feito com as opções de arroz, feijão (carioca e preto), alface, batata-inglesa, cebola, tomate, frango, ovo e carne bovina aumentou, em média, 23,53%.
Ou seja, a refeição sem carne teve uma variação maior de preços, mas isso não quer dizer que custe mais do que aquela com cortes bovinos ou de frango, pondera Peçanha. As carnes, lembra o pesquisador, costumam ter valores mais altos do que os vegetais.
“Há um cenário de inflação de alimentos causado especialmente por problemas climáticos neste momento”, diz o economista.
Antes da subida de frutas e legumes, o salto dos preços das carnes havia ficado em evidência durante a pandemia.
Aumento dos custos produtivos e demanda internacional aquecida pressionaram os valores da proteína animal ao longo da crise sanitária, apontam analistas.